sábado, 16 de maio de 2009

Manuol Sardina - carta de 31-03-1885



[Carta para José Leite de Vasconcelos, einédita até agora. Mantubo-se la scrita tal i qual cumo stá ne l manuscrito de Sardina]



Miu stimable amigo:

Scuôlho de perferencia ua ortografía aportuêsada, declarando eiquí, que la letra v sona siêmpre cumo êl b, tal y qual cumo na lhengua castilhana.
Êl mirandés, amigo, tem los adverbios tanto, quanto y tam, yê verdade; reparae biêm num tem êlquam, donde se vei, que este antressante «dialecto» nim deve senó desprezio a los que amque lo sabem cumo you, se guardam biêm de lo falar, falando-lo solo êl pobo einorante, alhá |eilhes uns cum outros, pus quando tenem que falar a outra gente que num ie mirandesa y que fala grave, isto iê, êl portués, antonces fala tamiêm am portuès. D’onde se véi, que êl Dialecto mirandés yê ua lhengua cumo que de contrabando; lhengua que naide quiêre falar delantre de los outros que nun la sabem falar, cumo se êl falar am mirandes fuôra ua accion mala. porquei todo esto? Porque los por- tuèses, que num falam este dialecto, quando lo ouvem falar, faiem siêmpre la zomba a los pobres mirandeses, gente buôna y de vergonha, cumo hai pouca. Ajuntae a esto, que los nuôssos literatos anté vós y más dous ou trés professores del curso Superior de Letras, nim al menos chegórun a saber, que tal Dialecto eisistiê. correlativo homes de la sabedoria naturales d’estes sitios,
De todo esto ha resultado «fatalmente» stacionamento, que vós, êl melhor amigo de los mirandeses, tanto lhastimaes.
Mirae: asinalei ‘l’adverbio fatalmente, para que véiades, que inda náide le dou fuôro de cidade na lhengua mirandesa y notai tamiêm que num tem ‘l adjectivo gentil, cumum a todas ou a quaije todas las lhenguas neo lhatinas, nim êl verbo partir synonimo de marchar ou salir d’um punto para outro nim outras muitas palavras deviê tener!.
Tam despreziado cumo esta esta anfeliç lhengua, solo las tradicionales capas d’honras, gorras y calçones de los mirandeses. Honra | puis a los spanholes, que siêmpre ham tenido la maior venera- cion por los varios «questumes» de suôs porvincias y comarcas!
Êl pensar nesto, bun amigo, fai-me mal, muito mal; por esso vos digo adius, anté... nim you sei quando.
San Martino d’Angueira, 31 de marcio de 1885.
Manuôl Sardina.




Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 2ª parte



A LA CUMBERSA CUN



MANUELA BARROS FERREIRA (2ª parte), cuntinando l que saliu na redadeira Fuolha Mirandesa. Nesta 2ª parte, Manuela Barros Ferreira dá un cuntapie público para a ampeçar a çcutir la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa, seia quanto a las regras seguidas, seia quanto a nuobos assuntos que dében de ser tratados. Al mesmo tiempo apersenta algues perpuostas que se puoden cunsidrar ousadas, i que algues pessonas ténen benido a defender hai muito tiempo.
Respundendo a esta abertura que eiqui ye dada por Manuela Barros Ferreira, criemos un nuobo blogue http://cumbencon2009.blogspot.com/ adonde todos poderan partecipar na çcuçon de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa.
A.F.




FM (FUOLHA MIRANDESA) – Quales fúrun las mais grandes deficuldades que sentistes?
MBF (Manuela Barros Ferreira) – Uma convenção não é só um problema linguístico. As dificuldades maiores consistiram em chegar a consensos para unificar a aceitação de determinadas soluções. Por exemplo, a aceitação da existência no mirandês dos ditongos «ie» e «uo», que derivam de «e» e de «o» breves latinos. Este é um fenómeno que liga o mirandês a Espanha, incluindo o leonês e não existe em galego nem em português. Portanto, são definitórios da especificidade asturo-leonesa do mirandês. Mas o ditongo «uo» estava praticamente desaparecido, e o ditongo «ie» era reduzido nuns sítios a «e» e noutros a «i». Foi, por isso, difícil pôr as pessoas a aceitarem a escrita «ie» e «uo», na Proposta de Convenção.
Conseguimos demonstrar a existência de «ie» através de espetrogramas feitos a partir de gravações dos próprios intervenientes mirandeses. Nesses espetrogramas aparecem claramente distinguidos como diferentes o «i» e o «e» do ditongo «ie». Por conseguinte, toda a gente esteve de acordo em escrever tierra e não tirra ou terra.
O ditongo «uo» foi excluído porque nenhum dos presentes o dizia em situação normal. Mas foi reintroduzido na Convenção Ortográfica, em 1999, por uma questão de coerência fonética e porque em situação enfática é audível.
Também houve muita discussão quanto a escrever «lh» ou «ll» e «ñ» ou «nh».
Tudo foi discutido até à exaustão e as resoluções foram adoptadas por consenso. É um produto da Linguística e também da política de consensos. Portanto, é mesmo uma convenção social, um “pacto”. Como nem todas as soluções têm uma defesa estritamente linguística, mas sim “diplomática”, digamos, tornou-se alvo de algumas críticas. Mas valeu a pena, porque hoje as pessoas têm de facto um guia para a escrita.


FM – La çcuçon alredror de la Proposta de Convenção Ortográfica trouxo nobidades?
MBF – Tinhamos proposto palavras com “gh”, como, por exemplo “manighero” em vez de “manijero”, mas isso causou estranheza e foi retirado, já que eram empréstimos espanhóis, como se pode ver na página 22 da Proposta. A sugestão de retirada foi de um linguista espanhol. Essa solução já não aparece na Convenção de 1999.


FM – Cumo ye que ls sturianos bírun todo este porcesso?
MBF – Perguntámos a opinião aos asturianos. Recebemos uma resposta em que nos recomendavam que escrevêssemos à portuguesa os fenómenos comuns com o português e à asturiana os fenómenos comuns com o asturiano. Acontece que a maior dificuldade estava nos fenómenos que são foneticamente iguais nas duas línguas, mas que se escrevem diferentemente em português e espanhol. Por exemplo, os asturianos seguem a tradição espanhola, quando escrevem “ñ” e “ll.” Na Convenção seguimos a tradição portuguesa de escrever “nh” e “lh”. Fizemo-lo por razões de simplicidade de ensino, porque a tradição de assim escrever em Portugal data de D. Afonso III, porque sempre os mirandeses escreveram com «lh» e «nh» e porque essa foi a opinião dos participantes.
Hoje eu certamente defenderia a grafia espanhola porque o som «lh» no início de palavras, não existe em português (a não ser na palavra lhano, que é um empréstimo castelhano) e porque a existência do lh- inicial é uma característica asturo-leonesa definidora do mirandês. Portanto, escrever «ll» e «ñ» seria uma maneira de aproximar de modo razoável, aceitável, o mirandês da sua ancestralidade asturo–leonesa.

FM – Anton, an resume, porquei l mirandés ye ua lhéngua çtinta?
MBF – Do Português, sem dúvida. Do castelhano, também. Do Asturo-leonês... também difere, porque nas suas especificidades há algumas que o ligam ao português transmontano e ao português clássico, como sejam as quatro sibilantes «s», «ç», «ss», «z» [casa / caça, cozer / coser, amasso / maço, çapato / sapo]; tem também o «j» [jantar]; além disso tem vogais e ditongos nasais que também existem em português: «on» (pronunciado oum ou õu); tem o infinitivo pessoal, como o português e o galego [ex: para acunhares ls uolhos tenes de tener suonho], e este é um dos traços morfossintácticos que mais individualizam o português e o galego face às outras línguas românicas.


FM – Fui aporbada ua Adenda i screbida ua perpuosta de 2ª Adenda. Considrais que la Cumbençon ye un testo cerrado ou debe de ser aperfundada?
MBF – A Adenda sobre o sendinês foi extremamente importante porque se não se tivesse feito, hoje teríamos, por um lado, uma literatura mirandesa muito reduzida, cumpridora das normas da Convenção ortográfica e, por outro lado, uma abundante literatura sendinesa, escrita de uma forma completamente diferente. Graças a essa adenda, temos uma verdadeira Literatura Mirandesa, relativamente unitária.
Quando a Proposta de Convenção foi feita, os problemas do sendinês eram tão complexos e tínhamos tão pouco tempo que não foi possível considerá-los. Com efeito, como já mencionei, esta começou a ser feita no fim de 1994 e o Dr. Júlio Meirinhos só aceitou apoiá-la com a condição de estar publicada em Julho de 1995, no dia da cidade, de modo que tivemos pouco mais de quatro meses para a fazer. Realizámos três reuniões para a discutir, de 2 dias cada uma. Os materiais eram previamente preparados por mim e enviados aos linguistas e ao Domingos, que os fazia chegar aos mirandeses intervenientes. Nas reuniões, todos os pontos eram discutidos, inclusive os exemplos.
Tivemos depois quatro anos de intervalo até à publicação da Convenção propriamente dita. Houve acrescentos importantes, tais como a introdução do ditongo “uo” e a conjugação de diversos verbos, regulares e irregulares e houve a eliminação do acento circunflexo dos ditongos “ie” e “uo”. Mas não se foi muito mais longe, porque eu fiquei doente durante bastante tempo e entretanto faleceu o Padre Mourinho. Era o Padre Mourinho que representava o sendinês, por ser natural de Sendim. Entretanto, as condições politicas locais tinham mudado, passando a haver outras prioridades. O Dr. Júlio Meirinhos tornou-se deputado na Assembleia da República e ali desencadeou o processo de reconhecimento da língua.
Mas respondendo finalmente à pergunta: considero que a Convenção não é um texto fechado e que deve ser aprofundada.


FM – Que camino bos parece que debe de ser seguido?
MBF – Nesta altura em que a prática da escrita já é usual, os novos textos vieram levantar novas questões. Continua a não existir uma escrita completamente unificada, pois há variantes pessoais, involuntárias ou voluntárias. Há aspectos que precisam de ser melhor explicados e outros que necessitam de ser aprofundados. E há novas regras a introduzir relativamente a assuntos que nunca foram abordados.
Era muito importante retomar o assunto com outra equipa, sem deixar, no entanto, de manter ligação com a equipa precedente.


FM – Stais çcpuosta a ancabeçar l trabalho de aperfundamento de la Cumbençon?
MBF – A encabeçar não, mas estou disposta a colaborar na elaboração. Talvez fosse bom ter nessa função uma pessoa de fora da terra de Miranda, por exemplo a Professora Cristina Martins, para assegurar o apoio académico, por um lado, e por outro para evitar rivalidades e para haver a garantia, perante o público, de que as opções a tomar serão dirigidas com completa isenção. Acho que a fórmula encontrada nas primeiras convenções foi boa: além de um universitário de fora, seria bom que a coordenação fosse partilhada com um mirandês que resida no local, sabedor, com prática de escrita, se possível professor, jovem e dinâmico, que assegurasse a coordenação dos mirandeses e sendineses intervenientes.
Acharia importante a presença, no grupo, de um leonês interessado em questões ortográficas.


FM – Quei bos parece que ye eissencial fazer quanto a la lhéngua mirandesa pa l feturo?
MBF – Pertence aos mirandeses a luta pela sua língua. São eles que devem elaborar manuais para os diversos graus de ensino; criar um dia da língua, anual; realizar cursos de verão, promovidos pela Câmara ou alguma outra instituição, nem que seja um curso de pequena duração, mas que leve gente a Miranda e tenha a participação dos locais; criar um jornal de Miranda em mirandês. E há que criar uma instituição que represente a língua mirandesa no circuito internacional.
O esforço mais constante devia ser feito a nível municipal: além de concursos literários, de um Boletim Municipal e site do concelho bilingues, há coisas pequenas que se podem fazer e que dão visibilidade à língua - como por exemplo, promover ementas dos restaurantes em mirandês. Outra coisa que não sei se já foi feita mas que acho importante: os objectos expostos no Museu de Miranda, e que são testemunhos da história rural da região, deviam ter etiquetas com o nome e a explicação de uso em mirandês. Mas o que é verdadeiramente indispensável é que as pessoas continuem a falar entre si em mirandês e a escrever na internet.
A nível governamental deviam ser tomadas medidas relativas à investigação da língua – por exemplo, a elaboração de uma Gramática e de uma Fonologia do Mirandês, com metodologia científica e terminologia actualizada – e devia regularizar-se a situação do ensino, integrando o mirandês no horário normal. E no campo internacional devia ser feita a ratificação da Carta Europeia das Línguas Minoritárias. Sem essa ratificação, o mirandês não tem o reconhecimento internacional a que tem direito: ele continua ausente do mapa das línguas minoritárias da Europa.

Anterbista de Amadeu Ferreira




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 1ª Parte




[Eiqui se publica la anterbista cun Manuela Barros Ferreira salida ne l Jornal Nordeste]




A LA CUMBERSA CUN


MANUELA BARROS FERREIRA
, que cordenou cientificamente la feitura de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. L sou curriculo puode ser lido an http://mirandes.no.sapo.pt/mbfcv.html de modo que nun bamos eiqui a repeti-lo. L cuntributo de Manuela Barros pa l mirandés moderno puode resumir-se assi: a eilha se debe la base i la lhuita científica que premitírun: lhebantar la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa; la criaçon de cundiçones para que l mirandés fura recoincido cumo lhéngua seia pul Assemblé de la República seia pula quemunidade científica nacional i anternacional. You questumo dezir que Manuela fui la pessona que mais fizo pul mirandés apuis de José Leite de Vasconcellos, sien que cun esso you querga apoucar ou squecer l grande cuntributo de muitas outras pessonas, que eiqui tenemos çtacado ou de que inda eiremos a tratar.
Hoije reformada de l CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua, Manuel Barros bibe hoije an Mértola. Fui eiqui, an sue casa, ua berdadeira baranda subre l Goudiana, que me recebiu a mi i a la mie tie un deimingo de fin de Márcio cheno de sol, nua houspitalidade amiga i caliente, eilha i l sou tiu, l grande storiador i arqueólogo, subretodo de la era de ls árabes, Claúdio Torres, fundador i persidente de l Campo Arqueológico de Mértola.
Ye ua proua mui grande i ua honra pa ls mirandeses tener cun nós a Manuela Barros Ferreira. Salida dun tiempo malo de malinas an que tubo que fazer ouparaçones delicadas, ende stá eilha outra beç, chena de fuorça i de porjetos. Desta beç a abrir ua nuoba puorta, eissencial para ua nuoba stada ne l zambolbimiento de la lhéngua mirandesa: la necidade de rebison de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. Eilha mesma le dá l cuntapie de salida nesta anterbista, fazendo la stória de la atual Cumbençon i apuntando caminos pa l sou melhoramiento.
Anque scriba an mirandés, Manuela Barros quijo dar la anterbista an pertués i ye nessa outra nuossa lhéngua que eiqui queda, repartida por dous númaros, dada la sue grandura.
Amadeu Ferreira



FM (FUOLHA MIRANDESA) - Cumo i quando ampeçou l buosso anteresse pul mirandés?
MBF (Manuela Barros Ferreira)
- O meu interesse pelo mirandês começou no fim dos anos 70 do século XX. Nessa altura fui a Miranda fazer um inquérito linguístico com a minha colega Gabriela Vitorino e encontramos uma pessoa extraordinária, Claudina da Natividade Preto, e a sua vizinha, a tie Bárbela, que nos ensinaram muitas palavras e meteram na nossa cabeça dura alguns aspectos da pronúncia mirandesa. Fazíamos esses inquéritos para o Atlas Linguístico de Portugal e Galiza. No princípio, as pessoas pensavam que queríamos fazer pouco delas, mas quando viam que queríamos mesmo saber como chamavam a cada coisa, geralmente aceitavam bem a nossa presença. Foi o que aconteceu em Constantim: elas adoptaram-nos e trataram-nos como se fôssemos amigas, como se fôssemos da família. A partir daí, para mim todas as pessoas de Miranda começaram a ser minhas parentes...
Mas o meu primeiro contacto com Miranda deu-se tinha eu 11 ou 12 anos, quando o meu irmão era engenheiro electrotécnico na Barragem de Picote. Os meus pais e eu ficámos numa pensão de Miranda do Douro na praça principal. Salvo erro, foi o dono da pensão que nos mostrou uma peça extraordinária, de madeira, com cerca de 50 centímetros, feita por um pastor, representando o caminho do céu, em espiral, e onde se viam Adão e Eva, a imagem de almas, diabos, anjos, etc.. Essa peça ficou gravada na minha memória como um símbolo de tudo aquilo que um povo não pode perder. Nunca mais a vi nem sei onde pára, mas, para meu grande espanto, há tempos encontrei a sua descrição no livro de viagens “Não criei musgo”, de um inglês, John Gibbons, escrito em 1939 e que foi editado pela Câmara de Carrazeda de Ansiães, onde ele viveu algum tempo. No fim dessa descrição o autor cita o juramento do dono da peça, de que aquela obra jamais sairia de Miranda.
A ida a Constantim foi no fim dos anos setenta, como já disse. Ao chegar a Lisboa contei a várias pessoas o meu entusiasmo por o mirandês ainda estar vivo e pujante. Entre elas estavam a Doutora Maria Helena Mira Mateus e o Professor Lindley Cintra (que era o director do Centro de Estudos Filológicos e que me integrara, em 1973, na equipa do Altlas Linguístico). Alguns anos depois, em 1985, a Professora Maria Helena Mira Mateus recebeu da Catalunha um pedido de informação sobre línguas minoritárias históricas existentes em Portugal e encaminhou-o para mim - o que me levou a aproximar-me mais do mirandês a fim de poder responder a todas as perguntas. As questões incidiam sobre o número de falantes, condições de transmissão e de ensino, grau de reconhecimento oficial, situações em que se utilizava, obras nessa língua, estudos publicados, etc. A resposta foi feita com a ajuda do dr. Domingos Raposo. Essa foi a primeira vez em que abordei toda a bibliografia então existente sobre o mirandês e isso permitiu-me tomar consciência da importância de algumas questões para a sua própria definição como língua institucional.
Depois, em 1990, houve na Fundação Calouste Gulbenkian um seminário internacional sobre línguas minoritárias, em que estava também o Padre António Mourinho e a Professora Clarinda de Azevedo Maia. Aí, eu e o Padre Mourinho apresentámos cada um uma comunicação defendendo que o mirandês devia ser considerado como língua minoritária histórica. Nessa ocasião ele viu que havia uma pessoa ligada à Universidade de Lisboa que estava disposta a defender o mirandês. Por isso, esse seminário teve importância para o futuro contacto que se estabeleceu entre mim e o Padre Mourinho – que aliás eu já conhecia, de anteriores encontros em Miranda.

FM – Quales fúrun ls buossos sentimentos quando ampecestes a cuntatar cul mirandés?
MBF – Foram de encantamento.

FM – Que factos e / ou ideias a levaram a dar um salto em frente?
MBF
- Houve as Primeiras Jornadas de Língua e Cultura Mirandesas promovidas pelo Domingos Raposo em 1987. Aí, eu e professora Ana Maria Martins fizemos a nossa primeira abordagem linguística do mirandês. O impacto dessas jornadas não foi muito grande , mas juntou pessoas a reflectir.
O principal foi o Encontro organizado pela Associação Portuguesa de Linguística em Miranda do Douro, em 1993. Neste Encontro o Domingos queixou-se de que não havia instrumentos de apoio para ensinar a escrever em mirandês, pois só dispunha do José Leite de Vasconcelos, que praticava uma escrita fonética, cheia de sinalefas difíceis de imprimir. Era importante que houvesse regras de escrita simples, que pudessem ser ensinadas em todas as escolas da região. Assim, nas Conclusões recomendou-se que se elaborassem normas ortográficas. Essa é uma das conclusões do encontro e foi o ponto de partida para a elaboração da Convenção, pois para mim isso representou uma espécie de compromisso. Este encontro realizou-se nos dias 10 e 11 de setembro de 1993, tendo as actas sido publicadas no ano seguinte.

FM – An cuncreto, cumo apareciu l’eideia de fazer la cumbençon?
MBF
- Em 1994 o padre Mourinho era assessor cultural do Dr. Júlio Meirinhos, então Presidente da Câmara de Miranda. Ora o Dr. Júlio tinha apoiado o Encontro e recebeu os participantes falando em mirandês. Em Outubro, se não me engano, telefonei ao padre Mourinho e pedi-lhe que quando fosse à Biblioteca do Centro de Linguística (que frequentava) fosse ter comigo, pois precisava de falar com ele. Quando ele chegou, falei-lhe na ideia de reunir um grupo para elaborar uma Proposta de Convenção e perguntei-lhe se ele aceitava participar. Como aderiu de imediato, pedi-lhe que na sua função de assessor do Presidente da Câmara procurasse obter o apoio logístico necessário a esse projecto, para se poder pagar a deslocação de algumas pessoas. Ele alinhou inteiramente. Foi só depois de ter sido conseguido esse apoio que falei com os Professores Ivo de Castro e Rita Marquilhas, da Universidade de Lisboa, e Cristina Martins, da Universidade de Coimbra. Pedi ao Domingos Raposo que se encarregasse de contactar mirandeses de diversas aldeias, professores ou pessoas da área cultural, para participarem no projecto. Todas as participações seriam gratuitas. As únicas coisas pagas (pela Câmara) seriam as viagens e as refeições necessárias durante as reuniões do grupo.

FM – Porque falestes cun essas pessonas i nó cun outras?
MBF – Falei ao Ivo de Castro porque é um historiador da língua, que sabe muito. À Rita Marquilhas porque estava a especializar-se em questões de ortografia portuguesa. À Cristina Martins porque era a única que estava a fazer um mestrado sobre o mirandês e tinha apresentado no Encontro de Miranda uma comunicação muitíssimo interessante.

FM – Que amportança tubo l pertencerdes al CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua?
MBF
– Foi decisiva, pois se não fossem os inquéritos linguísticos do Atlas de Portugal e da Galiza, nunca teria contactado com a língua de forma tão sistemática e profunda.

FM – Que oujectibos ponistes al aprobar la Proposta de Convenção Ortográfica?
MBF – Foram fixados dois objectivos, que constam do texto da Proposta de Convenção Ortográfica (1995), onde se pode ler:

- o primeiro objectivo a atingir pela convenção ortográfica deve ser o de estabelecer critérios claros, sistemáticos e económicos para escrever e ler o mirandês, e para o ensinar;
- estabelecer uma escrita o mais unitária possível e consagrar o mirandês como língua minoritária do território português são outros objectivos fundamentais desta convenção.


A Proposta de Convenção Ortográfica foi aprovada e publicada em 1995.

FM – Fui defícele fazer partecipar als académicos nesse porjecto?
MBF – Nada. Alinharam imediatamente.

FM – I ls mirandeses, aderírun facelmente a l’eideia?
MBF
- Sim, por intermédio do Domingos Raposo. O Padre Mourinho participou na elaboração da proposta, não só por inerência do seu cargo de assessor cultural do Presidente da Câmara, mas sobretudo pelo seu imenso saber.
(cuntina)
Anterbista de Amadeu Ferreira