sábado, 16 de maio de 2009

Manuol Sardina - carta de 31-03-1885



[Carta para José Leite de Vasconcelos, einédita até agora. Mantubo-se la scrita tal i qual cumo stá ne l manuscrito de Sardina]



Miu stimable amigo:

Scuôlho de perferencia ua ortografía aportuêsada, declarando eiquí, que la letra v sona siêmpre cumo êl b, tal y qual cumo na lhengua castilhana.
Êl mirandés, amigo, tem los adverbios tanto, quanto y tam, yê verdade; reparae biêm num tem êlquam, donde se vei, que este antressante «dialecto» nim deve senó desprezio a los que amque lo sabem cumo you, se guardam biêm de lo falar, falando-lo solo êl pobo einorante, alhá |eilhes uns cum outros, pus quando tenem que falar a outra gente que num ie mirandesa y que fala grave, isto iê, êl portués, antonces fala tamiêm am portuès. D’onde se véi, que êl Dialecto mirandés yê ua lhengua cumo que de contrabando; lhengua que naide quiêre falar delantre de los outros que nun la sabem falar, cumo se êl falar am mirandes fuôra ua accion mala. porquei todo esto? Porque los por- tuèses, que num falam este dialecto, quando lo ouvem falar, faiem siêmpre la zomba a los pobres mirandeses, gente buôna y de vergonha, cumo hai pouca. Ajuntae a esto, que los nuôssos literatos anté vós y más dous ou trés professores del curso Superior de Letras, nim al menos chegórun a saber, que tal Dialecto eisistiê. correlativo homes de la sabedoria naturales d’estes sitios,
De todo esto ha resultado «fatalmente» stacionamento, que vós, êl melhor amigo de los mirandeses, tanto lhastimaes.
Mirae: asinalei ‘l’adverbio fatalmente, para que véiades, que inda náide le dou fuôro de cidade na lhengua mirandesa y notai tamiêm que num tem ‘l adjectivo gentil, cumum a todas ou a quaije todas las lhenguas neo lhatinas, nim êl verbo partir synonimo de marchar ou salir d’um punto para outro nim outras muitas palavras deviê tener!.
Tam despreziado cumo esta esta anfeliç lhengua, solo las tradicionales capas d’honras, gorras y calçones de los mirandeses. Honra | puis a los spanholes, que siêmpre ham tenido la maior venera- cion por los varios «questumes» de suôs porvincias y comarcas!
Êl pensar nesto, bun amigo, fai-me mal, muito mal; por esso vos digo adius, anté... nim you sei quando.
San Martino d’Angueira, 31 de marcio de 1885.
Manuôl Sardina.




Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 2ª parte



A LA CUMBERSA CUN



MANUELA BARROS FERREIRA (2ª parte), cuntinando l que saliu na redadeira Fuolha Mirandesa. Nesta 2ª parte, Manuela Barros Ferreira dá un cuntapie público para a ampeçar a çcutir la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa, seia quanto a las regras seguidas, seia quanto a nuobos assuntos que dében de ser tratados. Al mesmo tiempo apersenta algues perpuostas que se puoden cunsidrar ousadas, i que algues pessonas ténen benido a defender hai muito tiempo.
Respundendo a esta abertura que eiqui ye dada por Manuela Barros Ferreira, criemos un nuobo blogue http://cumbencon2009.blogspot.com/ adonde todos poderan partecipar na çcuçon de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa.
A.F.




FM (FUOLHA MIRANDESA) – Quales fúrun las mais grandes deficuldades que sentistes?
MBF (Manuela Barros Ferreira) – Uma convenção não é só um problema linguístico. As dificuldades maiores consistiram em chegar a consensos para unificar a aceitação de determinadas soluções. Por exemplo, a aceitação da existência no mirandês dos ditongos «ie» e «uo», que derivam de «e» e de «o» breves latinos. Este é um fenómeno que liga o mirandês a Espanha, incluindo o leonês e não existe em galego nem em português. Portanto, são definitórios da especificidade asturo-leonesa do mirandês. Mas o ditongo «uo» estava praticamente desaparecido, e o ditongo «ie» era reduzido nuns sítios a «e» e noutros a «i». Foi, por isso, difícil pôr as pessoas a aceitarem a escrita «ie» e «uo», na Proposta de Convenção.
Conseguimos demonstrar a existência de «ie» através de espetrogramas feitos a partir de gravações dos próprios intervenientes mirandeses. Nesses espetrogramas aparecem claramente distinguidos como diferentes o «i» e o «e» do ditongo «ie». Por conseguinte, toda a gente esteve de acordo em escrever tierra e não tirra ou terra.
O ditongo «uo» foi excluído porque nenhum dos presentes o dizia em situação normal. Mas foi reintroduzido na Convenção Ortográfica, em 1999, por uma questão de coerência fonética e porque em situação enfática é audível.
Também houve muita discussão quanto a escrever «lh» ou «ll» e «ñ» ou «nh».
Tudo foi discutido até à exaustão e as resoluções foram adoptadas por consenso. É um produto da Linguística e também da política de consensos. Portanto, é mesmo uma convenção social, um “pacto”. Como nem todas as soluções têm uma defesa estritamente linguística, mas sim “diplomática”, digamos, tornou-se alvo de algumas críticas. Mas valeu a pena, porque hoje as pessoas têm de facto um guia para a escrita.


FM – La çcuçon alredror de la Proposta de Convenção Ortográfica trouxo nobidades?
MBF – Tinhamos proposto palavras com “gh”, como, por exemplo “manighero” em vez de “manijero”, mas isso causou estranheza e foi retirado, já que eram empréstimos espanhóis, como se pode ver na página 22 da Proposta. A sugestão de retirada foi de um linguista espanhol. Essa solução já não aparece na Convenção de 1999.


FM – Cumo ye que ls sturianos bírun todo este porcesso?
MBF – Perguntámos a opinião aos asturianos. Recebemos uma resposta em que nos recomendavam que escrevêssemos à portuguesa os fenómenos comuns com o português e à asturiana os fenómenos comuns com o asturiano. Acontece que a maior dificuldade estava nos fenómenos que são foneticamente iguais nas duas línguas, mas que se escrevem diferentemente em português e espanhol. Por exemplo, os asturianos seguem a tradição espanhola, quando escrevem “ñ” e “ll.” Na Convenção seguimos a tradição portuguesa de escrever “nh” e “lh”. Fizemo-lo por razões de simplicidade de ensino, porque a tradição de assim escrever em Portugal data de D. Afonso III, porque sempre os mirandeses escreveram com «lh» e «nh» e porque essa foi a opinião dos participantes.
Hoje eu certamente defenderia a grafia espanhola porque o som «lh» no início de palavras, não existe em português (a não ser na palavra lhano, que é um empréstimo castelhano) e porque a existência do lh- inicial é uma característica asturo-leonesa definidora do mirandês. Portanto, escrever «ll» e «ñ» seria uma maneira de aproximar de modo razoável, aceitável, o mirandês da sua ancestralidade asturo–leonesa.

FM – Anton, an resume, porquei l mirandés ye ua lhéngua çtinta?
MBF – Do Português, sem dúvida. Do castelhano, também. Do Asturo-leonês... também difere, porque nas suas especificidades há algumas que o ligam ao português transmontano e ao português clássico, como sejam as quatro sibilantes «s», «ç», «ss», «z» [casa / caça, cozer / coser, amasso / maço, çapato / sapo]; tem também o «j» [jantar]; além disso tem vogais e ditongos nasais que também existem em português: «on» (pronunciado oum ou õu); tem o infinitivo pessoal, como o português e o galego [ex: para acunhares ls uolhos tenes de tener suonho], e este é um dos traços morfossintácticos que mais individualizam o português e o galego face às outras línguas românicas.


FM – Fui aporbada ua Adenda i screbida ua perpuosta de 2ª Adenda. Considrais que la Cumbençon ye un testo cerrado ou debe de ser aperfundada?
MBF – A Adenda sobre o sendinês foi extremamente importante porque se não se tivesse feito, hoje teríamos, por um lado, uma literatura mirandesa muito reduzida, cumpridora das normas da Convenção ortográfica e, por outro lado, uma abundante literatura sendinesa, escrita de uma forma completamente diferente. Graças a essa adenda, temos uma verdadeira Literatura Mirandesa, relativamente unitária.
Quando a Proposta de Convenção foi feita, os problemas do sendinês eram tão complexos e tínhamos tão pouco tempo que não foi possível considerá-los. Com efeito, como já mencionei, esta começou a ser feita no fim de 1994 e o Dr. Júlio Meirinhos só aceitou apoiá-la com a condição de estar publicada em Julho de 1995, no dia da cidade, de modo que tivemos pouco mais de quatro meses para a fazer. Realizámos três reuniões para a discutir, de 2 dias cada uma. Os materiais eram previamente preparados por mim e enviados aos linguistas e ao Domingos, que os fazia chegar aos mirandeses intervenientes. Nas reuniões, todos os pontos eram discutidos, inclusive os exemplos.
Tivemos depois quatro anos de intervalo até à publicação da Convenção propriamente dita. Houve acrescentos importantes, tais como a introdução do ditongo “uo” e a conjugação de diversos verbos, regulares e irregulares e houve a eliminação do acento circunflexo dos ditongos “ie” e “uo”. Mas não se foi muito mais longe, porque eu fiquei doente durante bastante tempo e entretanto faleceu o Padre Mourinho. Era o Padre Mourinho que representava o sendinês, por ser natural de Sendim. Entretanto, as condições politicas locais tinham mudado, passando a haver outras prioridades. O Dr. Júlio Meirinhos tornou-se deputado na Assembleia da República e ali desencadeou o processo de reconhecimento da língua.
Mas respondendo finalmente à pergunta: considero que a Convenção não é um texto fechado e que deve ser aprofundada.


FM – Que camino bos parece que debe de ser seguido?
MBF – Nesta altura em que a prática da escrita já é usual, os novos textos vieram levantar novas questões. Continua a não existir uma escrita completamente unificada, pois há variantes pessoais, involuntárias ou voluntárias. Há aspectos que precisam de ser melhor explicados e outros que necessitam de ser aprofundados. E há novas regras a introduzir relativamente a assuntos que nunca foram abordados.
Era muito importante retomar o assunto com outra equipa, sem deixar, no entanto, de manter ligação com a equipa precedente.


FM – Stais çcpuosta a ancabeçar l trabalho de aperfundamento de la Cumbençon?
MBF – A encabeçar não, mas estou disposta a colaborar na elaboração. Talvez fosse bom ter nessa função uma pessoa de fora da terra de Miranda, por exemplo a Professora Cristina Martins, para assegurar o apoio académico, por um lado, e por outro para evitar rivalidades e para haver a garantia, perante o público, de que as opções a tomar serão dirigidas com completa isenção. Acho que a fórmula encontrada nas primeiras convenções foi boa: além de um universitário de fora, seria bom que a coordenação fosse partilhada com um mirandês que resida no local, sabedor, com prática de escrita, se possível professor, jovem e dinâmico, que assegurasse a coordenação dos mirandeses e sendineses intervenientes.
Acharia importante a presença, no grupo, de um leonês interessado em questões ortográficas.


FM – Quei bos parece que ye eissencial fazer quanto a la lhéngua mirandesa pa l feturo?
MBF – Pertence aos mirandeses a luta pela sua língua. São eles que devem elaborar manuais para os diversos graus de ensino; criar um dia da língua, anual; realizar cursos de verão, promovidos pela Câmara ou alguma outra instituição, nem que seja um curso de pequena duração, mas que leve gente a Miranda e tenha a participação dos locais; criar um jornal de Miranda em mirandês. E há que criar uma instituição que represente a língua mirandesa no circuito internacional.
O esforço mais constante devia ser feito a nível municipal: além de concursos literários, de um Boletim Municipal e site do concelho bilingues, há coisas pequenas que se podem fazer e que dão visibilidade à língua - como por exemplo, promover ementas dos restaurantes em mirandês. Outra coisa que não sei se já foi feita mas que acho importante: os objectos expostos no Museu de Miranda, e que são testemunhos da história rural da região, deviam ter etiquetas com o nome e a explicação de uso em mirandês. Mas o que é verdadeiramente indispensável é que as pessoas continuem a falar entre si em mirandês e a escrever na internet.
A nível governamental deviam ser tomadas medidas relativas à investigação da língua – por exemplo, a elaboração de uma Gramática e de uma Fonologia do Mirandês, com metodologia científica e terminologia actualizada – e devia regularizar-se a situação do ensino, integrando o mirandês no horário normal. E no campo internacional devia ser feita a ratificação da Carta Europeia das Línguas Minoritárias. Sem essa ratificação, o mirandês não tem o reconhecimento internacional a que tem direito: ele continua ausente do mapa das línguas minoritárias da Europa.

Anterbista de Amadeu Ferreira




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 1ª Parte




[Eiqui se publica la anterbista cun Manuela Barros Ferreira salida ne l Jornal Nordeste]




A LA CUMBERSA CUN


MANUELA BARROS FERREIRA
, que cordenou cientificamente la feitura de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. L sou curriculo puode ser lido an http://mirandes.no.sapo.pt/mbfcv.html de modo que nun bamos eiqui a repeti-lo. L cuntributo de Manuela Barros pa l mirandés moderno puode resumir-se assi: a eilha se debe la base i la lhuita científica que premitírun: lhebantar la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa; la criaçon de cundiçones para que l mirandés fura recoincido cumo lhéngua seia pul Assemblé de la República seia pula quemunidade científica nacional i anternacional. You questumo dezir que Manuela fui la pessona que mais fizo pul mirandés apuis de José Leite de Vasconcellos, sien que cun esso you querga apoucar ou squecer l grande cuntributo de muitas outras pessonas, que eiqui tenemos çtacado ou de que inda eiremos a tratar.
Hoije reformada de l CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua, Manuel Barros bibe hoije an Mértola. Fui eiqui, an sue casa, ua berdadeira baranda subre l Goudiana, que me recebiu a mi i a la mie tie un deimingo de fin de Márcio cheno de sol, nua houspitalidade amiga i caliente, eilha i l sou tiu, l grande storiador i arqueólogo, subretodo de la era de ls árabes, Claúdio Torres, fundador i persidente de l Campo Arqueológico de Mértola.
Ye ua proua mui grande i ua honra pa ls mirandeses tener cun nós a Manuela Barros Ferreira. Salida dun tiempo malo de malinas an que tubo que fazer ouparaçones delicadas, ende stá eilha outra beç, chena de fuorça i de porjetos. Desta beç a abrir ua nuoba puorta, eissencial para ua nuoba stada ne l zambolbimiento de la lhéngua mirandesa: la necidade de rebison de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. Eilha mesma le dá l cuntapie de salida nesta anterbista, fazendo la stória de la atual Cumbençon i apuntando caminos pa l sou melhoramiento.
Anque scriba an mirandés, Manuela Barros quijo dar la anterbista an pertués i ye nessa outra nuossa lhéngua que eiqui queda, repartida por dous númaros, dada la sue grandura.
Amadeu Ferreira



FM (FUOLHA MIRANDESA) - Cumo i quando ampeçou l buosso anteresse pul mirandés?
MBF (Manuela Barros Ferreira)
- O meu interesse pelo mirandês começou no fim dos anos 70 do século XX. Nessa altura fui a Miranda fazer um inquérito linguístico com a minha colega Gabriela Vitorino e encontramos uma pessoa extraordinária, Claudina da Natividade Preto, e a sua vizinha, a tie Bárbela, que nos ensinaram muitas palavras e meteram na nossa cabeça dura alguns aspectos da pronúncia mirandesa. Fazíamos esses inquéritos para o Atlas Linguístico de Portugal e Galiza. No princípio, as pessoas pensavam que queríamos fazer pouco delas, mas quando viam que queríamos mesmo saber como chamavam a cada coisa, geralmente aceitavam bem a nossa presença. Foi o que aconteceu em Constantim: elas adoptaram-nos e trataram-nos como se fôssemos amigas, como se fôssemos da família. A partir daí, para mim todas as pessoas de Miranda começaram a ser minhas parentes...
Mas o meu primeiro contacto com Miranda deu-se tinha eu 11 ou 12 anos, quando o meu irmão era engenheiro electrotécnico na Barragem de Picote. Os meus pais e eu ficámos numa pensão de Miranda do Douro na praça principal. Salvo erro, foi o dono da pensão que nos mostrou uma peça extraordinária, de madeira, com cerca de 50 centímetros, feita por um pastor, representando o caminho do céu, em espiral, e onde se viam Adão e Eva, a imagem de almas, diabos, anjos, etc.. Essa peça ficou gravada na minha memória como um símbolo de tudo aquilo que um povo não pode perder. Nunca mais a vi nem sei onde pára, mas, para meu grande espanto, há tempos encontrei a sua descrição no livro de viagens “Não criei musgo”, de um inglês, John Gibbons, escrito em 1939 e que foi editado pela Câmara de Carrazeda de Ansiães, onde ele viveu algum tempo. No fim dessa descrição o autor cita o juramento do dono da peça, de que aquela obra jamais sairia de Miranda.
A ida a Constantim foi no fim dos anos setenta, como já disse. Ao chegar a Lisboa contei a várias pessoas o meu entusiasmo por o mirandês ainda estar vivo e pujante. Entre elas estavam a Doutora Maria Helena Mira Mateus e o Professor Lindley Cintra (que era o director do Centro de Estudos Filológicos e que me integrara, em 1973, na equipa do Altlas Linguístico). Alguns anos depois, em 1985, a Professora Maria Helena Mira Mateus recebeu da Catalunha um pedido de informação sobre línguas minoritárias históricas existentes em Portugal e encaminhou-o para mim - o que me levou a aproximar-me mais do mirandês a fim de poder responder a todas as perguntas. As questões incidiam sobre o número de falantes, condições de transmissão e de ensino, grau de reconhecimento oficial, situações em que se utilizava, obras nessa língua, estudos publicados, etc. A resposta foi feita com a ajuda do dr. Domingos Raposo. Essa foi a primeira vez em que abordei toda a bibliografia então existente sobre o mirandês e isso permitiu-me tomar consciência da importância de algumas questões para a sua própria definição como língua institucional.
Depois, em 1990, houve na Fundação Calouste Gulbenkian um seminário internacional sobre línguas minoritárias, em que estava também o Padre António Mourinho e a Professora Clarinda de Azevedo Maia. Aí, eu e o Padre Mourinho apresentámos cada um uma comunicação defendendo que o mirandês devia ser considerado como língua minoritária histórica. Nessa ocasião ele viu que havia uma pessoa ligada à Universidade de Lisboa que estava disposta a defender o mirandês. Por isso, esse seminário teve importância para o futuro contacto que se estabeleceu entre mim e o Padre Mourinho – que aliás eu já conhecia, de anteriores encontros em Miranda.

FM – Quales fúrun ls buossos sentimentos quando ampecestes a cuntatar cul mirandés?
MBF – Foram de encantamento.

FM – Que factos e / ou ideias a levaram a dar um salto em frente?
MBF
- Houve as Primeiras Jornadas de Língua e Cultura Mirandesas promovidas pelo Domingos Raposo em 1987. Aí, eu e professora Ana Maria Martins fizemos a nossa primeira abordagem linguística do mirandês. O impacto dessas jornadas não foi muito grande , mas juntou pessoas a reflectir.
O principal foi o Encontro organizado pela Associação Portuguesa de Linguística em Miranda do Douro, em 1993. Neste Encontro o Domingos queixou-se de que não havia instrumentos de apoio para ensinar a escrever em mirandês, pois só dispunha do José Leite de Vasconcelos, que praticava uma escrita fonética, cheia de sinalefas difíceis de imprimir. Era importante que houvesse regras de escrita simples, que pudessem ser ensinadas em todas as escolas da região. Assim, nas Conclusões recomendou-se que se elaborassem normas ortográficas. Essa é uma das conclusões do encontro e foi o ponto de partida para a elaboração da Convenção, pois para mim isso representou uma espécie de compromisso. Este encontro realizou-se nos dias 10 e 11 de setembro de 1993, tendo as actas sido publicadas no ano seguinte.

FM – An cuncreto, cumo apareciu l’eideia de fazer la cumbençon?
MBF
- Em 1994 o padre Mourinho era assessor cultural do Dr. Júlio Meirinhos, então Presidente da Câmara de Miranda. Ora o Dr. Júlio tinha apoiado o Encontro e recebeu os participantes falando em mirandês. Em Outubro, se não me engano, telefonei ao padre Mourinho e pedi-lhe que quando fosse à Biblioteca do Centro de Linguística (que frequentava) fosse ter comigo, pois precisava de falar com ele. Quando ele chegou, falei-lhe na ideia de reunir um grupo para elaborar uma Proposta de Convenção e perguntei-lhe se ele aceitava participar. Como aderiu de imediato, pedi-lhe que na sua função de assessor do Presidente da Câmara procurasse obter o apoio logístico necessário a esse projecto, para se poder pagar a deslocação de algumas pessoas. Ele alinhou inteiramente. Foi só depois de ter sido conseguido esse apoio que falei com os Professores Ivo de Castro e Rita Marquilhas, da Universidade de Lisboa, e Cristina Martins, da Universidade de Coimbra. Pedi ao Domingos Raposo que se encarregasse de contactar mirandeses de diversas aldeias, professores ou pessoas da área cultural, para participarem no projecto. Todas as participações seriam gratuitas. As únicas coisas pagas (pela Câmara) seriam as viagens e as refeições necessárias durante as reuniões do grupo.

FM – Porque falestes cun essas pessonas i nó cun outras?
MBF – Falei ao Ivo de Castro porque é um historiador da língua, que sabe muito. À Rita Marquilhas porque estava a especializar-se em questões de ortografia portuguesa. À Cristina Martins porque era a única que estava a fazer um mestrado sobre o mirandês e tinha apresentado no Encontro de Miranda uma comunicação muitíssimo interessante.

FM – Que amportança tubo l pertencerdes al CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua?
MBF
– Foi decisiva, pois se não fossem os inquéritos linguísticos do Atlas de Portugal e da Galiza, nunca teria contactado com a língua de forma tão sistemática e profunda.

FM – Que oujectibos ponistes al aprobar la Proposta de Convenção Ortográfica?
MBF – Foram fixados dois objectivos, que constam do texto da Proposta de Convenção Ortográfica (1995), onde se pode ler:

- o primeiro objectivo a atingir pela convenção ortográfica deve ser o de estabelecer critérios claros, sistemáticos e económicos para escrever e ler o mirandês, e para o ensinar;
- estabelecer uma escrita o mais unitária possível e consagrar o mirandês como língua minoritária do território português são outros objectivos fundamentais desta convenção.


A Proposta de Convenção Ortográfica foi aprovada e publicada em 1995.

FM – Fui defícele fazer partecipar als académicos nesse porjecto?
MBF – Nada. Alinharam imediatamente.

FM – I ls mirandeses, aderírun facelmente a l’eideia?
MBF
- Sim, por intermédio do Domingos Raposo. O Padre Mourinho participou na elaboração da proposta, não só por inerência do seu cargo de assessor cultural do Presidente da Câmara, mas sobretudo pelo seu imenso saber.
(cuntina)
Anterbista de Amadeu Ferreira




quinta-feira, 12 de março de 2009

L oulor de la fornada

[ua cuonta de Faustino Anton]



L oulor a pan cozido, de la redadeira fornada, ajuntaba-se agora al de la farina por to la casa de l forno i metie-se nas narizes de quienquiera que alhá antrasse. Cumo puolo dua arada, l que s’alhebantou de muitas penheiraduras quedou-se agarrado a las piedras bielhas de la parede, a las aranheiras que anfeitában las squinas i cantiados cumo niebe, anclariaba un cachico la boca de l forno çfraçando l negrume de l cisco agarrado, botando an todo un aire de çanceinho seco. Cumo ampolhinado, quedaba l lhenço cun que acubrie la cabeça, l xambre i l mandil de Sabel.

Este forno de pan era, assi, un rejistinte. Porqui se quedou, anhos i anhos sien cunta. L tiempo que medeaba las fornadas nun era l bastante para que l oulor caliente i farto de la códia de las fogaças de la redadeira cozedura se morrisse, cumo cumpanha tenie l de la farina molida ne l molino de la Ribeira d’Angueira. Nua mescla rica de gusto buono cul aire que mos antraba pulas narizes, marcaba la sue eidentidade por star acerca de casa, amponendo-se por tiempo de sobra.

Se hai oulores que de bien temprano ampeçamos a coincer, cumo l oulor salido de l lhume de scobas i galhas, a forno barrido i a cinza, a farina penheirada, a farelos, a pan nuobo de moletes i fogaças, a cunsuolo de fartura, estes son alguns deilhes. De l mesmo modo tamien fúrun siempre ls mesmos géstios, la mesma antrega, la mesma postura, la mesma deboçon para que eilhes sálen. Bundarie arreparar ne l que eilha iba a fazer esta tarde i saberiemos al que siempre fizo sue mai i sue abó quando amassában, éran géstios hardados, géstios copiados, géstios ciertos i santeficados que passórun ne ls tiempos duas pa las outras cumo íban a passar uas quantas quartas de farina pulas penheiras.

Todo l que sabie i agora fazie era dua repetiçon que daprendiu zde garotica. Cernir, ajuntar auga i formiento que bónden a la massa, saber l cierto sien medida, sien reloijo ou cuntador, saber l tiempo de lhebedar, l spertar de la massa i fenhir, era un saber que bieno agarrado a la cundiçon de mulhier, puis sous armanos nunca amassórun pan.

Ranhar l suolo de l forno, guardar l borralho, tener la certeza de la rojura para que la fornada quedasse cozida, éran coincimientos de la mesma scuola, passados de l mesmo modo, por mulhieres mestras chenas de spriencia i manos cun calhos. Era un daprender, bendo fazer, ajudando i scuitando de quien de l mesmo modo habie daprendido. Nun staba nada screbido an cadernicos, la lhiteratura destes géstios era queloquial, era toda ua memória que s’agarraba pul ber i tatear, pula spriéncia de fazer i bolber a fazer al lhargo de muitos i muitos anhos.

Flesbina, mai de Sabel, tubo ampeinho de passar este saber, sabie que era amportante, era un bien sagrado, hoije cundiçon de mai, cumo l fui dar de mamar a sue filha quando naciu. Deixá-la sien estes coincimientos era cumo abandonar ua criatura an tierra de naide. Mas eilha sabie que fui siempre assi, sabie que tenie que passar todos estes balores, sabie que l bien mais baloroso que le podie deixar era este. Riqueza armanada a esta outra nun habie, ser mulhier coincedora de to ls segredos de l’arte de panadeira era buono. Que serie dua filha que un die benisse a ser mai i mulhier dua casa se nun sabisse amassar l pan que ls filhos percisában de quemer? Mai que quier bien ua filha para todo esto ten que star lista, ten que ansinar, porparar i eiducar l tiempo todo.

Sabel tenie tirado esta tarde para amassar. Outras lhidas quedarien por fazer, mas pa la mesa habie ido la redadeira fogaça esta manhana. I quando esta fusse quemida outra tenie para alhá poner. Agora, botada al trabalho, anquanto ua mano fazie l Sinal de la Cruç l’outra, subre l cuolho, abotonaba l corchete de l xambre cumo se solo assi benisse l’eisatidon de la benezidura, sue boca batie de mansico ua reza xorda i fujida para apuis repetir la pessinaçon. A Santa Lucádia fazie estas ouraçones, pul Santíssimo Debino Sprito Santo las cruzes, i assi sue cabeça quedarie bien, l coraçon an paç i ls braços habien de tener fuorças bastantes para amassar mais ua beç. Andreitaba la masseira, çpinduraba las baras i las penheiras, botaba mano dua medida de farina i assi daba ampeço a la penheiradura de toda la farina que fusse percisa pa la massa dessa fornada.Inda na sumana atrasada habie cozido, fornada de siete fogaças que dában para nun faltar l pan na mesa de sue casa, nun deixar passar fame de pan l sou tiu i filhos. Era mulhier que cada beç que amassaba, fazie-lo cun ampeinho i gusto, antregaba-se de cuorpo i alma cumo se antregou parindo sous filhos.

Inda na pala, quando sacaba las fogaças de l forno, acarinaba-las cun sues manos cumo se fai a todo l que nace, cumo se fai a todo l que ben a este mundo i se quier cun gusto. Aquel forno era cumo un bientre, mórnio i rico, que andentro pul milagro de la cozedura lhigaba muitos sfuorços i ganas, salie del un eilemiento debino, que la fazie feliç i la felcidade de muitos. Quaijeque se podie dezir que las fogaças éran la paga que querie de todas las canseiras i sudores, que tenie nas relbas i bimas, sembraduras i aricos, nas segadas i trilhas, éran tamien l cunsuolo, la proba de que balie la pena bibir.

Las fornadas i las fogaças stában par’eilha cumo stában l sou casamiento i ls sous filhos. Quando chiçcaba l forno i sou cuorpo quedaba tomado daqueilha calentura, salida pula boca de l forno de las scobas i lheinha que ardien, solo s’armanaba a la calor que sentiu quando coinciu sou tiu. Quando sacaba las fogaças i las bie bien tostadas i cozidas, pan purfeito, senti tanta felcidade cumo quando ls sous garotos benírun al mundo. Sentie-se mai quando penheiraba, quando amassaba, quando metie l pan ne l forno, quando sacaba las fogaças. Nun sabie s’algue cousa habie an sue bida que tanto s’armanasse, gustaba d’amassar.

Quando ne ls dies d’arada, pul termo bien loinge de l forno, sacaba de la fardela la fogaça para quemer la merenda, aqueilha mesma de las fornadas que eilha amassou, nun era l oulor fuorte a tierra rebuolta pul arado, nien l oulor ouferecido puls outibales que sustituien l que salie de l miolho de la fogaça. Aquel oulor nun se morrie. Aquel oulor agarrado pula farina amassada i lhebedada cul formiento que lo fazie pan, nien ne ls dies lhargos de la segada se perdie. Las senaras douradas, que sperában pulas fouçadas de las camaradas de segadores, ls restroilhos, ls gabelheiros, ls manolhos i medas que zafían l oulor mais puro botado de la natureza nun apaga l oulor dua fogaça partida a la merenda.

Habien de anchir l cerron de l pastor, de l buieiro, de l scabador, fazer las sopas de la segada i l cunsuolo de ls probes. Sagrado tomado cumo nobre l pan serie siempre l regalo de ricos i probres. Tené-lo era la maior alegrie. La maior tristeza la falta del.

Faustino Antão



domingo, 19 de outubro de 2008

Metie ls bés i carregaba ne ls chés



Cuntórun-me ua cuonta era you inda garotico, dun almanecha que rundaba pulas aldés, que nien pedinchaba nien roubaba nien spirolhaba. Ua nuite passaba-la eiqui, apuis mais ua ou dues eili i assi iba dando sentido a sue bida de pelegrino sien eira nien arrimo, cumo quien diç, sien assentadeiro. Las purmaberas, beranos i mesmo l mais de l tiempo de ls outonhos quedaba-se pulas beigas i a la borda de caminos, balhes i ancruzelhadas. Çque l tiempo se mantubisse amorniado i l chano sien reçumo, las abrigadas de touças i silbeiras fazien l restro. Mas, cumo siempre dixo l pobo, nun hai bun ganado que al menos nun tenga ua canhona berriona, nun hai fartura sien senó. Bieno ua nuite amberniça, zamborinaba que dius la daba, birou-se frie capaç de tolhir ls uossos dun perro. Nun tubo outro remédio se nun ir-se a bater a la puorta de casa dun quinteiro, que sabie que drumidas tenie de bonda, i palheiros chenicos de palha i feno para aquemodar las buiadas i béstias. Apuis de l rogar adonde passar essa nuite, la bundade de l home fui tanta que l’oufereciu ua cama para acunhego. L probe nun quijo, i mais dixo que nun podie tomar tamanha atençon, l çamarro nun staba afeito a tanto luxar, i s’essa nuite quedasse bien, cumo iba a ser las demais que tenie que las passar a monte i a streilho çcubierto! Ambaixo de teilha, adonde habisse algua palha, yá quedaba bien i quedarie agradecido anfenitamente, anquanto la sue almica fusse biba. Cuorpo d’almanecha dá-se bien cula roupica que trai bestida i ua ou dues çamarras de canhono. Bundade buossa mas nun bou acunhar uolho, miu bun senhor!

Se you antendo bien las cousas, esta ye ua daquielhas que ben bien cumo un stá afeito. Nun acunhar uolho. Assi me passou a mi las purmeiras nuites que drumi na cama de l quartel, nun catre feito de fierro i arame. Buolta i meia, ls fierros de l catre i de l xergon relinchában i, cumo s’esso nun bundasse, l camarada que quedou na purmeira andada inda sorrenhaba mais que l camboio de las siete que sal de Dues Eigreija a camino de l Pocinho puxando las bagonetas de l celheiro. Acunhar uolho nun fui capaç nas purmeiras temporadas.

Nun habie nada que s’acumparasse a las nuites passadas ne l termo. A cubierto de la cabanha, las mies costielhas nun dában puls calhaus, nien pulas bufardas fries que s’antranhában pulas frinchas de l cuolmo. Mesmo que la cabanha stubisse n’arada de l Cabeço de l Relhuzedo, aculada al aire fustigado de riba, que ye sítio bentaneiro i afamado, diç-se que ende até l lhobo tapa l culo cul rabo. L miu cuorpo nessas nuites de pastor nun daba por nadica drumie-las que nien un anjico. Ls uossos stában cumo cúscaro, rijos que nun habie mal capaç d’antrar neilhes. Nas demais nuites, mórnias i amerosas, strelhadas i lhimpas de nubres, de lhunar fuorte aclariando l praino cumo se fusse die. L sonido de ls grilhos, l bufo de ls mouchos i de las querujas todo esso me faltaba agora. Lhebou tiempo para me dar de cunta que las canhiças de l chequeiro, l ganado i ls perros nun stában mais ende cumo cumpanheiros.

Staba bien arredado i loinge, you staba noutro lhugar era assi a modo dun zardado. Sien poder scolher adonde drumir cumo l fizo l armitano. Habie arrenegado a cabanhas, ganados i nuites strelhadas, habie scolhido eiqui star porque habie sonhado cun outros mundos. Mie bida staba agora ancarreironada para outro lhado. Todo porque hai uns meses datrás dei l nome i botei ne ls papeles que querie ser melitar. Las cousas stában strefiguradas, stában cumo las tripas de ls cebados, zbiradas. Cheguei a percurar als mius botones i cun cara d’anraibado adonde you tenie la cabeça quando quije este mundo, se nun podie acabar de me fazer home noutro lhugar que nun fusse la tropa. Si, porque de tamanho las medidas dórun l que la rasa de ls decumientos querien, l peso que botei todo znudo tamien dou a la justa puis assi dixo l pesador, mas esso se resolbie porque apuis quando quemisse de l rancho angordaba, i la barbielha ou falta deilha, puis solo tenie uns pelos malos mal nacidos na queixada i çpuntando ne l beiço de riba, desso nien eilhes fazírun causo, staba apurado. Carocho, pie rapado, nun passaba dun rapazico que scolhido ne l rebusco de las suortes, por bias de la falta de giente pa la guerra, que nun tubo tiempo de se temprar na mocidade de la bida, era l que you era nesse die. Acrecido de ser anzonas i curto an falas. Se çfrente fusse nun habie oubido tantas zumbaries de ls camaradas pula falta de zambaraço i eignoráncia.

Fui feito home a la fuorça, fui cumo se un die me deitasse rapaç, que se goberna culs sous, que nun ten que se tratar nien amanhar, nien cul quemer i bestir, cul pelo ou cula cara, i quando sperta soutrodie yá ye taludo solo porque calça botas de canho i ten la cabeça rapada. I que ten que s’amanhar, porparar, bestir i quedar listo, cumo s’habisse dado un poulo ne l tiempo de meia dúzia d’anhos palantre. Mas, na berdade, nun dei poulo nanhun, se you tenie dezassiete anhos d’eidade l purmeiro d’Outubre cuntinaba culs mesmos dezassiete l die dous, se era anzonas nun fui por perder la screncha que spabilei. La mie cabeça ye que tubo que s’afazer, se querie cuntinar amparelhado culs demais, amanhei-me, que remédio.

Siempre me pareciu mal meter giente tienra na tropa. Se al menos fazíssen cumo se fai als chichos que quédan ne ls barrenhones uns dies an çurça... Mas nó, sticában ls garotos n’anspeçon cumo se fai als sacos de pan para lhebar mais grano. Cuidaba you nesse tiempo que l mundo era todo certico, cumo me cuntában na doutrina, que l que era miu era miu, que querer l de que era de ls outros era pecado, que cada un se gobernada cul sou, sien maldades nien manhas. Debrebe quedei a saber que amigos de l alheno éran mais que muitos i se nun m’aporcataba quedaba sien nada de l pouco que guardaba na mala de carton. L’alblidade i arte d’alguns por lhadronar nun era l aluquete que s’ouponie. Spiruolhos nun tenien cuonta, l cacho de fogaça i l que sobrou de l chouriço que mie mai habie metido na cerrona para quemer ne l camboio fui todo dua beç. You sabie de sobra l que era un bárdio, feito de trampos i silbas para ancerrar ls ganados por bias de l tiempo i de ls lhobos, cousa pequeinha, mas nunca me passaba pula cabeça que agora staba nua cortina de paredes taludas i aramadas cumo se fusse un bárdio para ancerrar giente cumo ganados. Que quadrilha de lhobos puodie andar porqui para haber tanto miedo? Bin a saber que era para que naide salisse sien ser cuntado a la canhiça de l’antrada, adonde oubrigában a star un de cada beç d’atalaia.

Cachos de tiempo d’atalaia yá habie stado, mas por rezones justas i antressantes. Habie quedado bezes sien cuonta a spera de pastoras ou buieiras pa la jolda i pa la cumbersa. Algues deilhas me quedórun-me para siempre na fé, un deilhes na Canhada adonde you sperei tantas bezes por ua rapaza para cumbersar. A esse habie agora d’ajuntar outro que nun mais squeci, l purmeiro planton a la caserna. Fiç-lo chenico de miedo por bias que ls camaradas tresmalhássen cumo ganado spantado. Tenie essa misson de mirar por eilhes, mas l sentido nun l agarraba nien un stantico scamugie-se para bien loinje, para outros lhugares. I inda la bida de tropa staba a dar las purmeiras passadas, mas yá fazie la mie própia stória. Mas cumo la stória nunca cunta nada de ls que nun s’afázen, porque son scorraçados i sustituidos, l melhor ye un afazer-se. Eiqui quien nun agarrar l’andadura nun chega a tiempo de cuntar cumo fui.

Porque me habie metido nisto? Se até tenie ua bida buona, de lhibardade, cun pai i mai, ua família a quien you me queixaba de todo. Agora pouco ou nada habie a fazer, apuntórun l miu nome de batizo. Senti-me pequerrico, cumo paixarico agarrado nua costielha pulas patas, bibe, sbolaceia, mas dende nun scapa. Quien te mandou a ti deixar-te lhebar an cumbersas, quien te mandou a ti ambejar la bida de ls outros que se cuntaba ne l terreiro de la Capielha quando la rapaziada ende s’ajuntaba? Éran percuras sien repuostas!

Que naide tenga dúbedas, fui un einfierno ls purmeiros dies, sien naide coincido por acerca, sien aqueilhes a quien tubimos siempre, fúrun dies que quedórun grabados na mie mimória. Fui l quedar sien lhibardade para strampolhinar puls caminos, rigueiros, cabeços, canhadas, montes i prainos, acantonado ne l terreiro de la parada, de l casaron de l comando i las debisones de la camarata. L assomadeiro de l Cabeço de la Malhada de l Naso, l de Cabeça Gorda nas marras d’Angueira, l’ancuosta de Lhambedeiros acerca de Malhadas i l Piquito agarrado a Bilasseco, adonde l miu oulhar se perdie na lonjura de l termo, éran cousas dantes, yá marcában l sou lhugar nas horas de tristeza i solidon. Fatilar agora l tiempo antre l chamamiento de la corneta i ls bózios dun anstrutor bien treinado i spabilado. Spabilado fui l que you tube que quedar, i bien debrebe. Deixar para trás ls modos i questumes i daprender outros que porqui deixórun bien claro que tenien que quedar sabidos quanto mais debrebe melhor pa l miu bien. Uolho listo i pie lijeiro, grima quanto bonde que la tropa podie ser fandanga mas l fado era bailado cumo eilhes querien, sien hora marcada nien lhugar cierto.

Cuidei nun ser capaç de m’afazer als afazeres desta nuoba bida. Debrebe me dei de cuonta que se nun habie medrado pa la bida, naide querie saber, eiqui nun habie mais rapaç, mimado nien choramincas, se tube lhágrimas tube que las lhimpar, alhebantar la cabeça i seguir cumo ls demais, porque agora las lhidas éran outras i nun staba ne l miu feitiu quedar atrás daqueilhes que eiqui chegórun. Quien era you, para quedar bencido? De donde habie benido, podie nun benir ne l mapa, mas agora era un número, era l mil ciento i bint’i dous, i a esse chamaniento tenie que responder. Habien sustituido todo l que era de mi, todo l que benie agarrado al Bellhete d’Eidentidade. You que benie afeito a chamar todo por nome, agora nien you nome tenie. Inda hoije me lhembro quando era pequeinho, siempre que nacie un cordeiro ou bitelo miu pai percuraba a sous filhos que nome queriemos poner, nun era l un nien l dous nien l trés nien l mil i quatro era un nome de lhetras, ua palabra. Mais que nun fusse agarraba-se al cordeiro ou bitelo l nome de la mai. Se quien l pariu fui la Pimpona, quedaba l filho de la Pimpona.

Porqui, neste juntouro de cabeças rapadas, yá naide tenie mai, éramos assi todos uns filhos daqueilha mai. La nuossa graça naide querie saber deilha, esso éran modos i mesuras de la cidade quando s’iba al cartório, ousada pul pai i mai ou ne l trato culs de fuora, cun giente fidalga, mas nunca tropa i fidalguices se dában bien. Mas temperado cula çurça de l praino miradés, adonde até un garoto andurece cul carambelo de las manhanas d’Eimbierno, nun se deixa derritir cul suberrolho de ls beranos, bota fróncias robendo las códeas sien percisar de las amolhir, bebe auga rumiacada de ls poços quando las fuontes sécan, aprende a gustar de quemer cebolha cun sal tan cedo cumo daprende a lhebar coças i trepas, debrebe m’afiç a las scornadas de la tropa. Porque, a bien ber, s’andaba you porqui que antes d’ir a la scuola solo sabie l que era ser buieiro, soutrodie yá era guardador dun tagalho de canhonas bazies puls cerros de l termo, tamien andában muitos filhos d’anstruídos i afertunados que habien feito l’admisson i sous pais tenien criados l anho todo i de l mesmo modo éran tratados. La tropa era nisso cumo un raseiro, miraba de l mesmo modo para todos. Cumo ua mai, quando mata la fame als filhos dua sola fogaça, fai las fatilas todas armanas.

La jornada i l pouco tiempo que la tropa me tomaba nun habien feito todas las demudas que éran percisas, mesmo que you nun andubisse drumindo na forma i las fusse ajeitando i ampalpando to ls dies, tenie que daprender a lhabar la roupa, amanhar la cama a la purmanhana, quemer de faca i garfo, a falar grabe. Porque era assi que ls mius camaradas falában, falában la lhéngua oufecial, l Pertués que me habien ansinado na scuola purmária de la mie tierra i que you poucas bezes habie percisado deilha. Nun fússen alguas cartas benidas de l’Argentina dun armano de mie mai, ler alguas décimas de las lhatas i cuntar ls belhones quando benie l mercador de lhana, l que daprendi na scuola nun tenie uso. Habie quedado culs cadernicos, ls lhibros, la piedra i l lhápeç andrento de la fardela çpindurada atrás de la puorta. Quando cheguei a la tropa you falaba l mirandés, fala çfrente de ls demais. Nun daba l mesmo nome a las cousas, dezie l mesmo que ls outros mas doutro modo, metie ls bés i carregaba ne ls chés, chamaba las cousas cumo se chamában na mie tierra, cumo las habie daprendido de miu pai i de mie mai, falaba ua lhéngua charra, çcoincida de todos, nun era oufecial. Eiqui to l mundo chamaba las cousas cumo stában screbidas ne ls lhibros, ambersában cumo se fazie an Miranda, cumo ls barragistas que éran todos de baixo, cumo l doutor i la tie de l cartório. Par’eilhes esta fala era atrasada i deilha fazien caçuada. You staba cumo quando fui a la scuola la purmeira beç, na mesmica, i la porsora de l miu falar nun quijo saber, i m’ampuso outra para daprender. Esta giente, por bien que you ateimasse, nun la lhebában cumo un falar, you que la falaba era caçurro.

Mais ua cousa de mi que tenie que deixar, yá nun tenie pelo porque era regla la cabeça rapar, nun me bestie culas bestes cebiles, calçaba botas de canho, nun quemie de la mesma terrina i tenie que deixar de falar cumo l fiç siempre. Se haber quedado ancerrado, loinje i apartado de l miu mundo me custou, l tener de falar grabe nun quedou por menos. Squecir todo l que falaba para assi nun ser caçuado, i çpreziado. Nunca me deixórun scolher, l miu falar tenie que sustituir i squecer, falar pertués i nunca mirandés. Fúrun anhos i anhos a filo sien falar la mie lhéngua de nacéncia, solo quando bolbie a mie casa, i ralas éran, solo quando este amo de la tropa le daba la gana, porque you yá nun tenie l’arreata suolta. L pertués, cumo un zabergonhado, als poucos fui sustituindo l mirandés i pouco tiempo apuis, zlúbio cumo era, adelantraba-se siempre. Mesmo quando falaba culs mius, an mie casa i de las cousas d’alhá, yá nun rebelaba muito querer an cuntinar agarrado al que de pequeinho habie daprendido. L falar mirandés quedaba assi cumo se fusse ua cousa ancerrada nua arca a tomar puolo i mofoso, squecido, abondonado sien mais m’amportar cun el, cumo se fusse ua cousa sien balor que nun serbie para nada que até habie sido mala, que até strobaba.

Fúrun percisos muitos anhos, fui perciso muitos studiosos arreparar ne l que J.L.de Vasconcellos dixo i screbiu para que naide bolbisse a fazer caçuada de la mie lhéngua mai. Assi you fusse pa la tropa hoije, i sabisse l que sei i nunca naide iba a fazer caçuada de l miu falar. Iba, cun muita proua a dezir a to l mundo que la lhéngua que falaba era mirandesa, que ye ua lhéngua romance salida de l lhatin, falada tamien nun cacho de pertual, pul pobo de las aldés de l cunceilho de Miranda de l Douro i alguas de l cunceilho de Bumioso, ne l çtrito de Bergáncia, i muitas giente spargida pul Mundo. Que l mirandés fui recoincido cumo lhéngua pul’Assemblé de la República aprobada pula lei nº 7/99, de 29 de Janeiro. Adonde s’oufecializórun pula purmeira beç ls dreitos lhenguísticos de la quemunidade de falantes de la lhéngua mirandesa. I que you sou un desses falantes, que quiero ber ls dreitos recoincidos pula lei i puostos an uso. Iba a dezir que se ye buono falar pertués, melhor ye falar pertués i mirandés.


Faustino Antão

sábado, 11 de outubro de 2008

José Leite de Vasconcelos – L camino mirandés (2)



[cuntinaçon]


04. Acabados ls studos secundários, ne l coleijo de San Carlos, ne l Porto, José Leite de Vasconcelos matriculou-se [anho letibo de 1881 / 1882] na Scuola Médico-Cirúrgica de l Porto, ende se formando an médico, brilhantemente, nel anho de 1886, tenie 28 anhos. Ye anquanto studante de medecina que JLV çcubre la eisistença de l mirandés i faç ls purmeiros studos de la nuossa lhéngua. La lhenguística yá era para el ua paixon, pus scribe an 1883: “Eu estou mais enthusiasmado com a linguistica do que com as tradições Populares. Enquanto não explorar todos os dialectos portugueses intra e extra-continentes não descanso [Carta a António Tomás Pires, cit. an José Leite de Vasconcelos – fotobiografia, ed. Verbo / Museu Nacional de Arqueologia, 9. 45]. Mais tarde, an 1900, ha de screbir ne ls Estudos de Philologia Mirandesa [I, p. 4]: “... quem, desde 1876, quasi não pensa noutra cousa que não seja a historia da boa terra lusitana, particularmente no seu lado ethnologico e linguistico, e quasi não aspira a mais nada, senão ao gôzo de contribuir para o vasto thesouro da sciencia com um facto ou uma ideia nova, embora de modestas proporções.” Fui este sou antresse an relaçon als dialetos pertueses que acabou por l lhebar até al mirandés, pus naide acha aqueilho que nun stá purparado para achar.



José Leite de Vasconcelos an 1886, quando se formou an medecina



05. Nuas férias an Guimaranes, JLV oube dues ou trés palabras mirandesas a un coincido del, i ua dessas palabras era cheno, ende quedando a saber que an Miranda se falaba ua lhéngua que nun era la pertuesa [Estudos ... , I, p. 3]. Ye un coicimiento andeble este, mas l própio JLV l baloriza cumo un passo de aprossimaçon al mirandés i de purparaçon pa l sou coincimiento mais fondo. Cumo teneran chegado tales palabras a essa pessona amiga de Guimaranes ye algo que nun sabemos, mas todo esso mos dá para cuncluir que habie algun coincimiento de que na tierra de Miranda se falaba de modo defrente de l pertués.


06. L coicimiento de l mirandés sério ampeça solo algun tiempo apuis, assi cuntado por el mesmo: “As primeiras informações que colhi a respeito do dialecto mirandez devo-as, na maxima parte, ao estudioso alumno da Academia Polytechnica do Porto o meu amigo o snr. Manoel Antonio Branco de Castro, natural da freguezia de Duas-Igrejas (concelho de Miranda).” [Dialecto Mirandez, 1882, p. 10]. Antoce, l camino mirandés de JLV ampeça ne l Porto i pulas manos de un mirandés, anque loinge de las tierras de Miranda.

La chegada de JLV al coincimiento cun Manuel António Branco de Castro, nun se dá por acaso, cumo yá dezimos, mas porque ls antresses de l moço studante de medecina éran coincidos de ls amigos del: “Frequentava eu, em 1882, o 1º anno de Medicina na Eschola do Porto, quando dois meus contemporaneos e amigos, hoje medicos, Affonso Cordeiro e José Joaquim Pinto, sabedores de quanto eu apreciava as tradições e a lingoagem do povo, me disseram que andava matriculado na Academia Polytechica um rapaz de Miranda-do-Douro, que sabia com perfeição a lingoa d’essa terra, pois a fallava desde criança.” [Estudos ..., I, p. 3]. Passados poucos dies yá JLV se ancuntraba cul sou colega de Dues Eigreijas. Todo se passou nun die feriado i que era demingo a la tarde, pa ls lhados de la Cedofeita, pus l studante Branco de Castro moraba ende nua ‘república’.

Fui un demingo de que JLV nunca mais se squeciu an to la sue bida, i cunta-mos todo dun modo eimocionado, cumo quien ten cuncéncia de que un fato stórico se stá a passar: “Nunca me esquecerá tal domingo! Cada indivíduo tem as suas datas célebres: um, porque lhe nasceu um filho; outro, porque recebeu uma herança. Para mim o dia em que pela primeira vez na minha vida ouvi falar seguifamente mirandês, e em que esbocei as primeiras linhas da sua grammatica, constitue tambem uma viva memoria.” [Estudos ..., I, p. 4].


07. La çcriçon deste ancuontro ye ua pieça notable, repassada de eimoçon i alguns toques románticos, screbida por JLV, a cumbite de Trindade Coelho, an 11 de Janeiro de 1897 i publicada ne l jornal diário de Lisboua Reporter (n.º 1517, de 13/01/1897), apuis reproduzida ne ls Estudos de Philologia Mirandesa [I, pp. 4-5]. Se un die se fazir un filme subre la çcubirta de l mirandés, eiqui assentará ua de las passaiges mais notables, pula cierta. Dada la sue amportança i porque esta obra nun ye agora fácele de achar, eiqui queda la trascriçon antegral de l testo de JLV:

“Branco de Castro, reclinado sobre a cama, no seu pequeno quarto de estudante, recitava vocabulos, conjugava verbos, declinava nomes; eu, sentado numa cadeira ao pé, ia apontando fervoroso tudo o que lhe ouvia, e que para mim era como aquellas maças de ouro que, segundo um conto popular bem conhecido, saíam da bôca de uma virgem bem fadada, quando fallava ao seu noivo.

Num quarto vizinho estavam alguns estudantes tocando guitarra, e entre elles o meu prezado amigo Joaquim Maria de Figueiredo, conceituado pharmaceutico nesta cidade, o qual ainda hoje falla nisto; os estudantes interromperam a musica, e vieram ouvir. Ao contrário de Orpheu, que, ao som da sua lyra, arrastava os penhascos e fazia parar os rios, aqui a musica cedia ao encanto da lingoa de Miranda! Isto constituia de facto uma novidade para os estudantes, que não sabiam que em Portugal se fallava outra lingoa além do português de Bernardes e Garrett. O mais encantado, porém, era eu. Com certeza não se escutavam com maior attenção os araculos de Apollo em Delphos, ou os de Zeus em Dodôna, do que eu as palavras que o meu Branco de Castro proferia, sereno e resignado, deante de mim.

Diazia elle a principio: - «Isto é uma giria de pastores, uma fala charra, não tem regras, nem normas!». Mas, quando eu lhe mostrava que as correspondencias d’ella com o latim eram certas, que a conjugação sguia com ordem, - elle pasmava, e admirava-se que entre os cabanhaes de Genizio, e em meio dos huortos de Ifánez se pudesse ter feito cousa tão regular como era a lingoa que velhos cabreiros lhe haviam ensinado em pequeno. E tambem se enthusiasmava, e começava comigo a venerar esta desherdada e perdida filha do latim. Subia então ao auge o seu espanto, quando, não se lembrando casualmente de um vocabulo, ou não lhe acudindo logo á memoria a flexão de uma verbo, eu lh’os indicava theoricamente, apenas baseado nas leis que pouco a pouco ia deduzindo dos factos observados.

Assim, ao cabo de algumas horas, e com mais uma ou outra notícia que colhi posteriormente, obtive materiaes que me bastaram para caracterizar nas suas feições mais geraes o mirandês.”


08. Quando se dou este ancuontro de JLV cun Branco de Castro? Nun sabemos al cierto, mas fui antes de Júnio de 1882, pus nesse més yá JLV staba a publicar l purmeiro testo an mirandés, la cuonta ‘Cristo i San Pedro’, na rebista sebilhana El Folklore andaluz, p. 176. Anton, nun andaremos mui loinge de ls feitos se dezirmos que todo se haberá passado ende por Abril ou antes. Nessa altura tenie José Leite de Vasconcelos 24 anhos i andaba ne l 1º anho de curso de medecina.

(cuntina)



sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Anterbista cun Cristina Martins

Doutora Cristina Martins



[Por oucasion de la publicaçon de la sue tese de doutoramiento Línguas em Contacto, "saber sobre" o que as distingue, eiqui se deixa la anterbista dada pula Doutora Cristina Martins al Jornal Nordeste, an 2005.]




“Os alunos que frequentavam a disciplina de Mirandês eram os que melhor distinguiam o mirandês do português”,

diç la Doutora Cristina Martins, porsora de l’Ounibersidade de Coimbra, an anterbista al Jornal Nordeste pa la fuolha Miranda: tierra, giente i lhéngua.

La Doutora Cristina dos Santos Pereira Martins ye porsora de la Faculdade de Lhetras de l’Ounibersidade de Coimbra. Passou l mais de l sou tiempo cumo ambestigadora ounibersitaira a studar la lhéngua mirandesa, habendo yá publicado un gordo manhuço de studos subre essa lhéngua. Partecipou de modo atibo na fazedura i aprobaçon de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa, assi cumo ne l sou Purmeiro Acreciento. De ls trabalhos que yá dedicou a la lhéngua mirandesa, hai dous que subírten po riba ls outros: “Estudo sociolinguístico do mirandês. Padrões de alternância de códigos e escolha de línguas numa comunidade trilingue” (tese de mestrado); “Línguas em contacto: ‘saber sobre’ o que as distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade escolar” (tese de doutoramiento).

Bista l’amportança de l’ambestigaçon de la Porsora Doutora Cristina Martins, subretodo pa ls pais i pa ls porsores, specialmente ls mirandeses, resolbimos anterbistá-la para dar a coincer essa ambestigaçon i, an special, las sues çcobiertas quanto al ansino de la lhéngua mirandesa. Fui nun cantico ameroso de la cidade de Coimbra, mesmo ne ls serenos cunhos de l Mundego, que stubimos dues horas a oubi-la falar de cousas que conhece bien a fondo i por que ten un antusiasmo que se mos apega lhougo als purmeiros minuitos. Ye ua grande amiga de l mirandés i de ls mirandeses, i muito podemos inda sperar de las sues ambestigaçones. Eiqui queda l que registremos de la cumbersa.


JN - An 2003 defendistes, na Ounibersidade de Coimbra, ua tese de doutoramiento cul títalo Líguas em contacto: ‘saber sobre’ o que as distingue. Análise de competências metalinguísticas de crianças mirandesas em idade escolar. Podeis dezir-mos, de modo resumido de que trata la tese?

CM - Peguei num problema concreto: os mirandeses supõem que o saber mirandês é um obstáculo à evolução escolar dos seus filhos (e, logo, à sua progressão social), na medida em que julgam que as crianças não conseguem distinguir bem o mirandês do português (que é a língua veicular do ensino). Tive desde o início a intuição de não deveria ser bem assim, mas também não sabia, na altura, dizer porquê. Admiti, inclusivamente, e quando comecei a pensar no problema, que pudesse haver alguma razão de ser para aquela crença generalizada. Na verdade, pelo menos dois factos objectivos poderiam, até, sustentar esta ideia fortemente implantada na comunidade mirandesa: em primeiro lugar, a acentuada e efectiva afinidade estrutural entre o mirandês e o português (i.e., o facto de as duas línguas serem realmente, e em numerosos aspectos, muito parecidas); em segundo lugar a circunstância de, nos dias de hoje, se observar uma competição entre as duas línguas para as mesmas funções comunicativas (i.e., o facto de não ser inteiramente claro qual o papel que cada uma desempenha na comunidade bilingue em questão). Durante largos séculos, as duas línguas não competiam entre si, pois cada uma ocupava domínios específicos e claros. O mirandês servia determinados objectivos comunicativos e o português servia outros. As duas línguas conviviam na mesma comunidade bilingue, mas não concorriam nos mesmos “espaços de interacção”, como hoje acontece. Ora, estes dois factos poderiam conferir alguma lógica à ideia de que as crianças mirandesas teriam dificuldades em reconhecer as diferenças entre uma língua e a outra e, assim sendo, não poderiam ser ignorados na equação do problema. Mas, e ao mesmo tempo, há muito conhecimento já acumulado sobre a percepção e a aquisição linguística infantis que me levaram a pensar que os factos objectivos que referi não deveriam impedir o desenvolvimento, nas crianças mirandesas, dessa capacidade de reconhecimento e de diferenciação dos idiomas.


JN - Qual fui, anton, la pregunta que bos apreponistes a respunder?

CM - A pergunta a que procurei responder foi: que tipo de mecanismos estão envolvidos na construção, por parte das crianças mirandesas, de uma percepção e representação diferenciadas de duas das línguas que convivem no seu ambiente de ‘input’, o mirandês e o português?

Parti do princípio de que essa construção tinha de começar muito cedo e que envolvia, entre outros, mecanismos de tipo metalinguístico. Traduzindo por miúdos, parti do princípio de que as crianças começam, desde muito, muito cedo, a olhar as línguas que ouvem e que falam como entidades materiais, i.e., como objectos. Reparam nelas e, portanto, elaboram ideias (mais ou menos explícitas) sobre o que observam. As crianças ‘sabem’, realmente, muito ‘sobre’ as língas que existem à sua volta: aprendem a reconhecer muitos dos seus padrões estruturais e também os seus padrões de uso na comunidade linguística. Como as crianças olham para as línguas,e olham para quem as usa e em que circunstâncias, não podem deixar, numa situação de bilinguismo, de reparar não só que as línguas são diferentes, mas também em que medida são diferentes.

A maior parte dos relatos sobre a aquisição bilingue parte do princípio de que a diferenciação das línguas é facilitada quando cada um dos idiomas é associado a um tipo de fonte ou interlocutor específico, por ex., cada um dos pais fala uma língua diferente com a criança ou, como em alguns casos de emigração, uma língua é falada em casa e outra fora de casa. Em Miranda, durante séculos, e como já disse atrás, também foi assim: cada língua tinha as suas funções específicas. Então, coloquei a hipótese de que, para as crianças mirandesas, e dada a actual situação de competição entre idiomas, poderia ser mais difícil e tardio o desenvolvimento do processo de reconhecimento da distinção das duas línguas (mirandês e português).

Pude verificar, porém, que, desde os seis anos, as crianças revelam que distinguem as duas línguas e que tal capacidade melhora com a idade, com a escolarização e, sobretudo, com a frequência da disciplina de Mirandês. Porquê? Porque este disciplina faculta às crianças conhecimentos específicos e dirigidos sobre o mirandês e, logo assim, também sobre o português! Estudar mirandês na escola funciona como uma espécie de atalho que facilita o processo de objectificação das línguas em contacto, ajudando ao reconhecimento e ao controlo sobre o que as distingue. Assim sendo, a frequência das aulas de Mirandês, muito longe de prejudicar o conhecimento que os alunos mirandeses têm da língua portuguesa, facilita o reconhecimento de que o português é uma coisa e o mirandês é outra. Para as crianças mirandesas inseridas no nosso sistema educativo é, todos estamos de acordo, muito importante a percepção da medida em que são diferentes o português e o mirandês. Ao contrário do que numerosas pessoas pensam e advogam, frequentar a disciplina de Mirandês na escola ajuda a alcançar tal objectivo.


JN - Porque ye amportante tratar l tema de l bilhenguismo ne l ansino?

CM - O bilinguismo é uma inevitabilidade, pois a maioria dos habitantes do planeta é bi- ou mesmo plurilingue. A ideia de que em cada país se fala uma só língua nunca foi verdade. O bilinguismo é, portanto, um dado da vida e um tema actualíssimo.


JN - Porque scolhistes tratar l tema de l bilhenguismo alredror l ansino de l mirandés?

CM – Por motivos pessoais, quis, desde o início da minha carreira académica, estudar o complexo fenómeno do bilinguismo, mas a sugestão de me dedicar, no âmbito da minha tese de Mestrado, ao caso mirandês foi-me dada pela minha orientadora, a Professora Doutora Clarinda de Azevedo Maia. Depois de ter concluído o Mestrado e de ter, por causa desse passo na minha carreira académica, conhecido de perto a Terra de Miranda e os mirandeses, não posso esconder que me moveram, para a escolha do tema para o Doutoramento, muitas razões afectivas. Senti, nomeadamente, que era importante contribuir, na medida do possível, para a requalificação do mirandês aos olhos dos seus próprios falantes, pois achei indignos os relatos pessoais que recolhi sobre atitudes de ridicularização e minorização dos mirandeses.


JN - Stávamos antes de ser aprobada la lei que recoinciu l mirandés ...

CM – Sim, pois comecei o meu trabalho de Mestrado em 1991. Mas houve outras razões para a escolha do tema do Doutoramento. Eu própria fui uma criança bilingue (português-inglês) e sei como beneficiei e como devo o sucesso da minha progressão escolar ao facto de ter tido acesso a um ensino formal bilingue. É preciso lembrar que, no meu caso, e como o meu bilinguismo resulta de uma situação de emigração, o português desempenhou precisamente o papel “de segunda” que o mirandês desempenha na comunidade mirandesa. Tal facto não impediu que o português tivesse sido sempre a língua falada em minha casa e não impediu que tivesse aprendido a ler e a escrever em português.

No caso da Terra de Miranda, a verdade é que havia uma questão premente no terreno: as pessoas pensavam que a aprendizagem do mirandês dificultava o sucesso escolar e social dos seus filhos. Ora, é legítimo que as pessoas queiram ter sucesso e é legítimo que queiram evitar todas as circunstâncias que julgam poder dificultar a obtenção desse sucesso, mas perturbava-me que pudessem pensar que, para melhorar as suas vidas, era necessário fazer tudo para erradicar a sua identidade linguística. Como não tinha argumentos consistentes para fundamentar estas minhas sensações e intuições e, logo assim, não tinha respostas para os mirandeses que assim pensavam, fui investigar à procura delas. Penso, aliás, que a investigação científica deve servir, também, interesses práticos. Pode ver-se esta questão em termos de ética democrática: sou professora de uma Universidade pública, a investigação que desenvolvo é financiada pelo Estado e eu tenho obrigação de retribuir com o produto da minha actividade.


JN - Que cunclusiones saquestes na buossa tese?

CM - As crianças vão construindo a sua representação das línguas desde tenra idade. Fazem-no também por construção metalinguística, isto é, pela transformação das línguas em objectos. Esse processo é espontâneo, natural e começa antes da entrada da criança na escola. As crianças têm curiosidade pelas línguas tal como em relação a tudo. Elas são, por exemplo, muito sensíveis às normas de interacção social, desde muito cedo procurando adequar as características do seu discurso ao interlocutor. Assim, uma criança muito nova, diante de um bebé, fala como os adultos falam para o bebé, mas já fala de modo diferente para outra criança. São particularmente sensíveis à identidade do interlocutor.

Nos testes que efectuei com crianças mirandesas verifiquei que, aos seis anos, as crianças já distinguiam perfeitamente as palavras mirandesas das portuguesas, apenas não sendo capazes de verbalizar essa distinção. Verifiquei que havia uma melhoria nessa capacidade de reconhecimento e de verbalização das diferenças entre as duas línguas em função de três factores: a crescente idade, o grau de escolaridade e a frequência da disciplina de Mirandês. Os alunos que frequentavam a disciplina de Mirandês eram os que melhor distinguiam o mirandês do português, o que prova que as aulas de Mirandês, também pelo facto de permitirem uma exposição à forma escrita desta língua, representam um benefício para as crianças.

Concluí, ainda, que as crianças estão ainda naturalmente expostas ao mirandês, isto é, que o mirandês se continua a falar na Terra de Miranda e que está sempre presente na vida das crianças, mesmo sem aulas de mirandês. O mirandês é uma realidade na vida destas crianças e não há, por isso, que meter a cabeça na areia.


JN - Anton, ls porblemas que ls alunos ténen cul pertués nun bénen de l ansino de l mirandés, mas teneran outras ouriges.

CM - Sim. Os alunos mirandeses têm os mesmos problemas que a generalidade dos alunos têm noutras regiões do país. Como pude comprovar através da análise comparativa de textos escritos por alunos mirandeses e por alunos de outras regiões do país, a esmagadora maioria dos problemas detectados é geral e não específica dos alunos mirandeses. Apenas um ou outro aspecto pode ser atribuído à influência específica do mirandês.

É preciso que se pense que noutras regiões de Portugal, não havendo mirandês, há, no entanto, distintas variedades do português faladas pelos alunos e no meio que os rodeia. Também podemos defender que as diferentes variedades do português não devem ser reprimidas, pois são identitárias (aliás, resta saber se erradicar a variação linguística é um objectivo ao alcance de quem que que seja). Dito isto, deixe-me sublinhar que sou das pessoas que defende que é dever fundamental da escola fornecer a todas as crianças um conhecimento tão sólido quanto possível da norma padrão. Esse é um dever de uma escola democrática, pois todos os alunos devem ser preparados para poderem “competir” com as crianças dos meios em que se fala a norma padrão.


JN - L goberno bai a poner l anglés na scuola purmaira, l que yá darie trés lhénguas pa ls alunos mirandeses. Hai uns dous anhos stube na Houlanda cul porsor Domingos Raposo i bimos que na Frísia l goberno tenie un porgrama de eiducaçon an trés lhénguas: houlandés, anglés i frísio, que ye la lhéngua de la region. Achais que l mesmo lema pode ser apuosto als alunos mirandeses?

CM - As questões colocam-se nos mesmos termos quer se trate de duas línguas, quer se trate de mais do que duas. Várias línguas podem ser adquiridas e aprendidas em simultâneo. O trilinguismo é, de resto, hoje muito frequente.


JN - Achais que l ansino de mirandés debe de ser oubrigatório?

CM - Não. Penso que é essencial haver liberdade. Além disso, não me parece que haja condições objectivas para essa obrigatoriedade.


JN - I quanto a ser ua deceplina curricular?

CM - Deve ser, sem dúvida, uma disciplina curricular. Essa é uma questão de dignificação da aprendizagem do mirandês. Deve alterar-se a situação actual quanto a esse aspecto.


JN - La deceplina de mirandés ye dada ua hora por sumana. Achais que chega?

CM - É muito pouco. O mínimo deveria ser de, pelo menos, duas horas semanais.


JN - Que cunseilho dais als pais quanto al ansino de l mirandés puls sous filhos?

CM - Aconselho-os vivamente a inscreverem os seus filhos na disciplina de Mirandês. Toda a evidência mostra que só beneficia o seu conhecimento sobre o próprio português. É pelo contraste que uma língua melhor se pode distinguir de outra, se pode tomar como objecto.

Quanto a os pais a falarem em mirandês com os seus filhos, posso dizer que não tenho nenhum dado que me diga que isso faz mal às crianças.

Anterbista feita por Amadeu Ferreira



terça-feira, 2 de setembro de 2008

Oulhai l que ye la bida


Un poema einédito de Manuel António Branco de Castro


An 31 de Júlio de 1894 Manuel António Branco de Castro scribe-le ua carta a José Leite de Vasconcelos i ende le ambia un soneto oureginal. Para quien nun saba, Branco de Castro era de Dues Eigreijas i fui por el que José Leite de Vasconcelos tomou l purmeiro cuntato cul mirandés i an casa del stubo ne l berano de 1883. Diç assi a cierta altura de la carta: «Un soneto à pressa, nem contei as sílabas; de Retorica de nada me lembro (Manual de estilo). Servi-me de um Bocage que sei de cor. Pediu-mo numa carta há 3 ou 4 anos.» Apuis acaba assi: «Leia e rasgue logo; cumpri o pedido». Nestas palavras queda bien clara la cuncéncia de Branco de Castro de que screbir sonetos nun era l sou fuorte. Bei-se claramente que nun adomina l'arte de la métrica i de la rima, adominado por stereotipos que mal parece tener daprendido, an que las palabras deficelmente fázen sentido. Por todo esto, nun admira que Leite de Vasconcelos nun haba publicado este soneto nin nanhue obra lhiteraira de Manuel António Branco de Castro. Assi i todo hai que retener la fonda tristeza que sal de las palabras de l soneto, a correspunder al stado de sprito de l outor, nesta altura cumpletamente depremido cula sue bida de lhabrador eisolado i malo an Dues Eigreijas, an que todo le cuorre mal, zde la salude als amores, a las relaciones familiares subretodo cul pai i l'armana. Bien le pide al antigo cumpanheiro de studos que l ajude i l baia a besitar, mas José Leite de Vasconcelos bibe noutro mundo i ten outras preocupaçones. I mesmo an relaçon al mirandés, tenendo an cuonta ua bison pragmática que fui siempre la de José Leite de Vasconcelos, son poucos ls nuobos resultados que inda poderá sacar de l sou antigo cumpanheiro.

Eiqui deixo l soneto, publicado pula purmeira beç, yá que tanto el cumo la carta a José Leite de Vasconcelos nunca fúrun publicados. La scrita fui por mi puosta al son de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa.

Esta passa a ser la sola obra lhiteraira de Branco de Castro salida até agora i será, possiblemente, la sola que el screbiu i chegou até nós.



An las arribas de los rius, cabeças de la sierra,
You me querie, amigo, an triste meditacion
Puis la bida ye ua selombra qual paixon
De l que muorre loinge de sue tierra.


Yá las cuordas de la guitarra se quebrórun
Sue mar cumo fúrun las Patrícias Romanas
Roma ye nada del que fai, cousas mundanas,
Cézares, Capitólio, Aventino yá acabórun.


Puis las campanas tócan mui tristes...
Se yá béien salindo l negro pendon
Eirá pa l negro puolo de ls muortos amigo miu... anton!...


La última nuite: la spráncia yá perdida...
You las querie todas al miu lhado...
Mas, miu Manuol, oulhai l que ye la bida!...

Manuel António Branco de Castro


segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Alma adorada mie



Ua traduçon einédita de l Abade Manuol Sardina


Publica-se eiqui [yá salida ne l Jornal Nordeste de 19 de Agosto de 2008] la traduçon de l soneto de Luís de Camões Alma minha Gentil feita pul Abade Manuol Sardina. La traduçon fui ambiada a José Leite de Vasconcelos an carta de 31 de márcio de 1885, que nunca chegou a publicar nin deilha sequiera mos deixou nota. L abade Manuol Sardina (era assi assinaba quando screbie an mirandés) era natural de San Martino i fui, possiblemente, l purmeiro mirandés que screbiu la lhéngua mirandesa.


Alma adorada mie, que secumbiste
Tan cedo, d’esta bida descuntente,
Descansa alhá no cielo aternamente
I biba you na tierra siempre triste.

Se na glória aternal, donde chubiste,
D’esta bida hai lhembrança realmente,
Nun squeças esse amor fuorte, eicelente,
Que yá nos uolhos mius tan puro biste.


I se bés que puode algo merecer-te
L lhuito i l delor que me quedou
De la mauga forçosa de perder-te:


Roga a Dius, que tous anhos ancurtiou,
Que tan cedo d’acá me lhiebe a ber-te,
Cumo de los mius uolhos te lhevou.

Luís de Camões
Traduçon de l Abade Manuol Sardina, 1885.