segunda-feira, 11 de maio de 2009

Anterbista cun Manuela Barros Ferreira - 1ª Parte




[Eiqui se publica la anterbista cun Manuela Barros Ferreira salida ne l Jornal Nordeste]




A LA CUMBERSA CUN


MANUELA BARROS FERREIRA
, que cordenou cientificamente la feitura de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. L sou curriculo puode ser lido an http://mirandes.no.sapo.pt/mbfcv.html de modo que nun bamos eiqui a repeti-lo. L cuntributo de Manuela Barros pa l mirandés moderno puode resumir-se assi: a eilha se debe la base i la lhuita científica que premitírun: lhebantar la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa; la criaçon de cundiçones para que l mirandés fura recoincido cumo lhéngua seia pul Assemblé de la República seia pula quemunidade científica nacional i anternacional. You questumo dezir que Manuela fui la pessona que mais fizo pul mirandés apuis de José Leite de Vasconcellos, sien que cun esso you querga apoucar ou squecer l grande cuntributo de muitas outras pessonas, que eiqui tenemos çtacado ou de que inda eiremos a tratar.
Hoije reformada de l CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua, Manuel Barros bibe hoije an Mértola. Fui eiqui, an sue casa, ua berdadeira baranda subre l Goudiana, que me recebiu a mi i a la mie tie un deimingo de fin de Márcio cheno de sol, nua houspitalidade amiga i caliente, eilha i l sou tiu, l grande storiador i arqueólogo, subretodo de la era de ls árabes, Claúdio Torres, fundador i persidente de l Campo Arqueológico de Mértola.
Ye ua proua mui grande i ua honra pa ls mirandeses tener cun nós a Manuela Barros Ferreira. Salida dun tiempo malo de malinas an que tubo que fazer ouparaçones delicadas, ende stá eilha outra beç, chena de fuorça i de porjetos. Desta beç a abrir ua nuoba puorta, eissencial para ua nuoba stada ne l zambolbimiento de la lhéngua mirandesa: la necidade de rebison de la Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. Eilha mesma le dá l cuntapie de salida nesta anterbista, fazendo la stória de la atual Cumbençon i apuntando caminos pa l sou melhoramiento.
Anque scriba an mirandés, Manuela Barros quijo dar la anterbista an pertués i ye nessa outra nuossa lhéngua que eiqui queda, repartida por dous númaros, dada la sue grandura.
Amadeu Ferreira



FM (FUOLHA MIRANDESA) - Cumo i quando ampeçou l buosso anteresse pul mirandés?
MBF (Manuela Barros Ferreira)
- O meu interesse pelo mirandês começou no fim dos anos 70 do século XX. Nessa altura fui a Miranda fazer um inquérito linguístico com a minha colega Gabriela Vitorino e encontramos uma pessoa extraordinária, Claudina da Natividade Preto, e a sua vizinha, a tie Bárbela, que nos ensinaram muitas palavras e meteram na nossa cabeça dura alguns aspectos da pronúncia mirandesa. Fazíamos esses inquéritos para o Atlas Linguístico de Portugal e Galiza. No princípio, as pessoas pensavam que queríamos fazer pouco delas, mas quando viam que queríamos mesmo saber como chamavam a cada coisa, geralmente aceitavam bem a nossa presença. Foi o que aconteceu em Constantim: elas adoptaram-nos e trataram-nos como se fôssemos amigas, como se fôssemos da família. A partir daí, para mim todas as pessoas de Miranda começaram a ser minhas parentes...
Mas o meu primeiro contacto com Miranda deu-se tinha eu 11 ou 12 anos, quando o meu irmão era engenheiro electrotécnico na Barragem de Picote. Os meus pais e eu ficámos numa pensão de Miranda do Douro na praça principal. Salvo erro, foi o dono da pensão que nos mostrou uma peça extraordinária, de madeira, com cerca de 50 centímetros, feita por um pastor, representando o caminho do céu, em espiral, e onde se viam Adão e Eva, a imagem de almas, diabos, anjos, etc.. Essa peça ficou gravada na minha memória como um símbolo de tudo aquilo que um povo não pode perder. Nunca mais a vi nem sei onde pára, mas, para meu grande espanto, há tempos encontrei a sua descrição no livro de viagens “Não criei musgo”, de um inglês, John Gibbons, escrito em 1939 e que foi editado pela Câmara de Carrazeda de Ansiães, onde ele viveu algum tempo. No fim dessa descrição o autor cita o juramento do dono da peça, de que aquela obra jamais sairia de Miranda.
A ida a Constantim foi no fim dos anos setenta, como já disse. Ao chegar a Lisboa contei a várias pessoas o meu entusiasmo por o mirandês ainda estar vivo e pujante. Entre elas estavam a Doutora Maria Helena Mira Mateus e o Professor Lindley Cintra (que era o director do Centro de Estudos Filológicos e que me integrara, em 1973, na equipa do Altlas Linguístico). Alguns anos depois, em 1985, a Professora Maria Helena Mira Mateus recebeu da Catalunha um pedido de informação sobre línguas minoritárias históricas existentes em Portugal e encaminhou-o para mim - o que me levou a aproximar-me mais do mirandês a fim de poder responder a todas as perguntas. As questões incidiam sobre o número de falantes, condições de transmissão e de ensino, grau de reconhecimento oficial, situações em que se utilizava, obras nessa língua, estudos publicados, etc. A resposta foi feita com a ajuda do dr. Domingos Raposo. Essa foi a primeira vez em que abordei toda a bibliografia então existente sobre o mirandês e isso permitiu-me tomar consciência da importância de algumas questões para a sua própria definição como língua institucional.
Depois, em 1990, houve na Fundação Calouste Gulbenkian um seminário internacional sobre línguas minoritárias, em que estava também o Padre António Mourinho e a Professora Clarinda de Azevedo Maia. Aí, eu e o Padre Mourinho apresentámos cada um uma comunicação defendendo que o mirandês devia ser considerado como língua minoritária histórica. Nessa ocasião ele viu que havia uma pessoa ligada à Universidade de Lisboa que estava disposta a defender o mirandês. Por isso, esse seminário teve importância para o futuro contacto que se estabeleceu entre mim e o Padre Mourinho – que aliás eu já conhecia, de anteriores encontros em Miranda.

FM – Quales fúrun ls buossos sentimentos quando ampecestes a cuntatar cul mirandés?
MBF – Foram de encantamento.

FM – Que factos e / ou ideias a levaram a dar um salto em frente?
MBF
- Houve as Primeiras Jornadas de Língua e Cultura Mirandesas promovidas pelo Domingos Raposo em 1987. Aí, eu e professora Ana Maria Martins fizemos a nossa primeira abordagem linguística do mirandês. O impacto dessas jornadas não foi muito grande , mas juntou pessoas a reflectir.
O principal foi o Encontro organizado pela Associação Portuguesa de Linguística em Miranda do Douro, em 1993. Neste Encontro o Domingos queixou-se de que não havia instrumentos de apoio para ensinar a escrever em mirandês, pois só dispunha do José Leite de Vasconcelos, que praticava uma escrita fonética, cheia de sinalefas difíceis de imprimir. Era importante que houvesse regras de escrita simples, que pudessem ser ensinadas em todas as escolas da região. Assim, nas Conclusões recomendou-se que se elaborassem normas ortográficas. Essa é uma das conclusões do encontro e foi o ponto de partida para a elaboração da Convenção, pois para mim isso representou uma espécie de compromisso. Este encontro realizou-se nos dias 10 e 11 de setembro de 1993, tendo as actas sido publicadas no ano seguinte.

FM – An cuncreto, cumo apareciu l’eideia de fazer la cumbençon?
MBF
- Em 1994 o padre Mourinho era assessor cultural do Dr. Júlio Meirinhos, então Presidente da Câmara de Miranda. Ora o Dr. Júlio tinha apoiado o Encontro e recebeu os participantes falando em mirandês. Em Outubro, se não me engano, telefonei ao padre Mourinho e pedi-lhe que quando fosse à Biblioteca do Centro de Linguística (que frequentava) fosse ter comigo, pois precisava de falar com ele. Quando ele chegou, falei-lhe na ideia de reunir um grupo para elaborar uma Proposta de Convenção e perguntei-lhe se ele aceitava participar. Como aderiu de imediato, pedi-lhe que na sua função de assessor do Presidente da Câmara procurasse obter o apoio logístico necessário a esse projecto, para se poder pagar a deslocação de algumas pessoas. Ele alinhou inteiramente. Foi só depois de ter sido conseguido esse apoio que falei com os Professores Ivo de Castro e Rita Marquilhas, da Universidade de Lisboa, e Cristina Martins, da Universidade de Coimbra. Pedi ao Domingos Raposo que se encarregasse de contactar mirandeses de diversas aldeias, professores ou pessoas da área cultural, para participarem no projecto. Todas as participações seriam gratuitas. As únicas coisas pagas (pela Câmara) seriam as viagens e as refeições necessárias durante as reuniões do grupo.

FM – Porque falestes cun essas pessonas i nó cun outras?
MBF – Falei ao Ivo de Castro porque é um historiador da língua, que sabe muito. À Rita Marquilhas porque estava a especializar-se em questões de ortografia portuguesa. À Cristina Martins porque era a única que estava a fazer um mestrado sobre o mirandês e tinha apresentado no Encontro de Miranda uma comunicação muitíssimo interessante.

FM – Que amportança tubo l pertencerdes al CLUL – Centro de Lhenguística de la Ounibersidade de Lisboua?
MBF
– Foi decisiva, pois se não fossem os inquéritos linguísticos do Atlas de Portugal e da Galiza, nunca teria contactado com a língua de forma tão sistemática e profunda.

FM – Que oujectibos ponistes al aprobar la Proposta de Convenção Ortográfica?
MBF – Foram fixados dois objectivos, que constam do texto da Proposta de Convenção Ortográfica (1995), onde se pode ler:

- o primeiro objectivo a atingir pela convenção ortográfica deve ser o de estabelecer critérios claros, sistemáticos e económicos para escrever e ler o mirandês, e para o ensinar;
- estabelecer uma escrita o mais unitária possível e consagrar o mirandês como língua minoritária do território português são outros objectivos fundamentais desta convenção.


A Proposta de Convenção Ortográfica foi aprovada e publicada em 1995.

FM – Fui defícele fazer partecipar als académicos nesse porjecto?
MBF – Nada. Alinharam imediatamente.

FM – I ls mirandeses, aderírun facelmente a l’eideia?
MBF
- Sim, por intermédio do Domingos Raposo. O Padre Mourinho participou na elaboração da proposta, não só por inerência do seu cargo de assessor cultural do Presidente da Câmara, mas sobretudo pelo seu imenso saber.
(cuntina)
Anterbista de Amadeu Ferreira